domingo, 1 de dezembro de 2013

Paulo Victor Melo: A imprensa e a violência contra a mulher


Já virou lugar comum. Ao tratar de casos de violência contra a mulher e assassinatos de mulheres, a imprensa sergipana (certamente, essa é uma tendência nacional da nossa mídia) refere-se aos agressores como “companheiros” ou “ex-companheiros”. 

Por Paulo Victor Melo* 


Não conheço um veículo de comunicação sequer que tenha essa como uma orientação editorial explícita, mas é algo que pode ser facilmente verificado nas matérias dos mais diversos jornais, revistas, sites, blogs, emissoras de televisão e rádio.

Dados do recente estudo Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil, elaborado pelo IPEA, demonstram que aproximadamente 15 mulheres são mortas, por dia, em decorrência da violência doméstica (em média, uma mulher a cada uma hora e meia). Outros números ajudam a revelar a gravidade desse tipo de violência: a cada 15 segundos, uma mulher é agredida no Brasil. Na última década, mais de 43 mil mulheres foram assassinadas no país, sendo 61% mulheres negras. 48% de todas as assassinadas nos últimos dez anos tinham apenas até oito anos de estudo.

Em geral, mostram os dados, essas agressões e crimes são cometidos por namorados e maridos. Sim, pessoas do convívio das mulheres. Mas não companheiros. A palavra companheiro tem origem no latim e significa “aquele que divide o pão com outro”. Cara aos partidos políticos de esquerda, aos movimentos sociais e sindicais, a expressão “companheiro” pode ser sintetizada por “aquele com quem compartilhamos lutas e sonhos”. Mas para compartilhar sonhos e lutas, é preciso – acima de tudo - igualdade e respeito aos direitos do outro. Justamente o que falta aos homens que agridem e matam mulheres.

Assim, é possível compreender que o uso banalizado do termo “companheiro” pela imprensa nas situações de violência contra a mulher esconde algo maior: o machismo. Sim, ao noticiar agressões físicas, morais, sexuais e psicológicas contra as mulheres, a nossa mídia insiste em camuflar o machismo. Em matérias, artigos de opinião, editoriais ou entrevistas, crimes de conotação machista são travestidos de supostas motivações passionais. Por mais que entidades e coletivos de direitos das mulheres se manifestem, parece que a imprensa ainda não aprendeu: não é o amor que mata, mas o machismo, a crença de que a mulher é inferior, é subalterna, logo deve ser violentada e, caso resista ou desobedeça, assassinada.

25 de Novembro marca a passagem do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher, um importante momento de reflexão sobre a necessidade do combate ao machismo que mata mulheres todos os dias em nosso país.

Um momento importante também para os/as trabalhadores/as da comunicação refletirem sobre o seu fazer profissional quando o assunto é violência contra a mulher. Deixar de chamar os agressores e assassinos de mulheres de “companheiros” ou “ex-companheiros” pode ser o primeiro passo para uma nova postura da imprensa. Outros também são necessários e urgentes: respeitar os direitos das mulheres, em especial na preservação de sua imagem, garantir à mulher a voz (ou o silêncio) quando ela assim o quiser, desconstruir visões estereotipadas das mulheres que - em determinada medida - reforçam a violência de gênero, e ir além do senso comum do “crime passional”, buscando as raízes que identifiquem as causas da violência. São alguns caminhos para que tenhamos uma imprensa “companheira” das mulheres. 

*Paulo Victor Melo é jornalista, mestrando em Comunicação e Sociedade na Universidade Federal de Sergipe e coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Fonte: Portal Infonet



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