Nota pública da Contee em defesa de mais investimentos e contra os detratores dos trabalhadores e da educação
Filhos do sécúlo das luzes!
Filhos da grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro-este audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo...
Eólo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a igualdade voou!...”
Os belíssimos versos da epígrafe são do imortal poeta Castro Alves,
extraídos de seu poema “O Livro e a América”, e foram escritos para
simbolizar a importância do conhecimento e, portanto, da educação.
Porém, lamentavelmente, passados mais de 140 anos da data em que essa
lição foi ministrada à humanidade, ao menos no Brasil, a educação, como
política pública, ainda não alcançou o pedestal cantado pelo poeta.
Em palavras, não há quem lhe negue esta condição. Mas, em atos, pouco se
faz para tanto. Apesar de, em todas as épocas, achar-se inserida na
agenda política nacional, com verniz de prioridade, está sempre às
voltas com dificuldades de múltiplas ordens, que lhe impedem de,
efetivamente, assumir esse patamar e, principalmente, de se constituir
no pavimentado caminho para a construção de uma nova realidade social.
A Constituição da República (CR) erigiu a educação à condição de o
primeiro dos direitos fundamentais sociais, que visam a garantir o
Estado democrático de direito. Já no seu preâmbulo,
que representa a síntese de suas finalidades e objetivos, estabelece, de
maneira inarredável, que o Estado democrático de direito, por ela
fundado, é “...destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e
individuais, a liberdade, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”.
Pois bem. Decorridos 25 anos da promulgação da CR – que serão
completados em 5 de outubro –, pouco se fez para que se cumpram seus
comandos, notadamente, no campo da educação, tão distante do padrão de
qualidade social como a Ponta Seixa do Chuí, metaforicamente falando,
dos extremos geográficos do Brasil.
Os fatos e os números, desafortunadamente, confirmam o desapreço do
Estado pela construção desse padrão de qualidade social. Senão, veja-se:
Somente em 2001, ou seja, após, decorridos 13 anos da promulgação
da CR, é que se aprovou o primeiro e, até aqui, o único Plano Nacional
de Educação (PNE) como política de Estado, que, ao chegar ao seu final,
aos 31 de dezembro de 2010, apresentou o triste saldo de minguado um
terço de suas metas cumprido, exatamente por falta de investimento, não
obstante os seus detratores dizerem o contrário. Isso porque o seu Art.
7º, que determinava a destinação do porcentual de 7% do Produto Interno
Bruto (PIB), foi vetado – e o veto a ele oposto jamais foi apreciado
pelo Congresso Nacional, em uma inequívoca demonstração de cumplicidade.
Com isso, a educação continuou, e assim se mantém, sendo financiada
pelas receitas de impostos e sem sequer a observância dos percentuais
mínimos estipulados pelo Art. 212 da CR, com resultados que não
credenciam o Brasil como país socialmente desenvolvido.
A falta de compromisso com a educação chegou ao extremo de o Estado, nas
três esferas, gastar com juros da dívida pública equivalentes ao que
nela investe. Indiscutivelmente, uma conduta perversa e catastrófica.
Para comprovar as consequências, basta que se analisem os indicadores
educacionais, com reflexos negativos diretos nos sociais.
Recentemente, a Câmara dos Deputados Federais resolveu ouvir,
parcialmente, a voz da sociedade, aprovando a destinação de 10% do PIB
para educação – o que, desde o fim da década de 1990, é reclamado –, bem
como 75% dos royalties do petróleo e 50% do fundo social; o que, se
confirmado, representará o acréscimo, na próxima década, de
aproximadamente 1,1% do PIB, elevando, portanto, os investimentos
educacionais a 7% do PIB. Não por mera coincidência, o mesmo percentual
que era assegurado pelo PNE de 2001 – Lei 10.172/2001, que, como já se
disse, foi vetado, tendo o veto caducado e sido, há pouco, arquivado
pelo presidente do Congresso Nacional. Em outras palavras: somente em
2022 poder-se-á alcançar o investimento que era necessário em 2001, como
se a população e as necessidades sociais ficassem no mesmo patamar por
mais de 20 anos.
A inevitável comparação entre os dois destacados momentos históricos – o
passado, 2001, e o futuro, 2022 – confirma o que, tristemente, já se
sabe há muito: os poderes da República divorciaram-se da realidade
social e dos anseios e necessidades da nação.
Como se não bastasse este quadro dantesco, o Senado, em mais uma
cristalina demonstração de surdez e de cegueira voluntárias, mutilou as
duas fundamentais decisões da Câmara dos Deputados.
Primeiro, por meio de sua Comissão de Assuntos Econômicos e Sociais,
alterou o PNE no tocante ao financiamento da educação, para determinar
que o percentual de 10% do PIB não seja reservado para a educação
pública, mas que represente o máximo de investimento que ela possa
obter. Um colossal retrocesso.
Ato contínuo, por maioria do plenário, alterou o projeto de lei que
trata da destinação dos royalties do petróleo e do fundo social,
reduzindo-a em mais de 50%, segundo cálculos da Consultoria da Câmara
dos Deputados. Ou, dito com outras palavras: o possível acréscimo de
1,1%, do PIB, nos investimentos educacionais, foi reduzido para 0,4%. Um
verdadeiro e monstruoso crime social.
A Câmara dos Deputados, por manobras espúrias, não conseguiu, até aqui,
resgatar o projeto original por ela aprovado e adulterado pelo Senado,
ficando a definição para agosto.
Como se fosse um sonho dantesco, com o nefasto propósito de levantar
cortina de fumaça e impedir a aprovação da destinação de 10% do PIB e
dos royalties do petróleo e do fundo social para a educação, levantam-se
vozes fantasmagóricas contra ela, querendo levá-la ao banco dos réus,
acusando-a de perdulária, pródiga, ineficiente e imprestável. Chegando
ao extremo de afirmar que as suas dificuldades não decorrem da falta de
investimentos e de apoio, mas, sim, de má gestão. Quanta desfaçatez.
Tais vozes achincalham os profissionais da educação escolar, sobretudo
os professores, tarifando-os de medíocres e de incompetentes. E mais:
afirmam, sem nenhum pejo, que só os jovens medianos e mais mal
preparados optam pelo exercício da docência, e, por isso, a educação
brasileira é sofrível.
Cabe registrar, desde logo, que os acusadores da educação são contumazes
escudeiros das criminosas políticas que jogaram a Espanha e a Grécia ao
fundo do poço social e produziram milhões de desempregos e de misérias
absolutas, nelas e em outros países.
Paradoxalmente, para os caluniadores da educação, eles e os
idealizadores destas catastróficas políticas são oriundos da parcela
mais competente das sociedades que flagelam, com palavras e atos. Em uma
palavra: são os cidadãos. Se isto tivesse qualquer fundo de verdade,
quão pobre seria a cidadania.
Vale registrar, ainda, que aqueles que se consideram a quinta essência
do pensamento brasileiro parecem esquecer-se de que é na escola, por
eles vilipendiada, que se transmitem os saberes já construídos e que se
constroem outros; e que os profissionais da educação escolar são os
mediadores e facilitadores de um e de outro.
Propositada e desonestamente, confundem desvios de verbas, que se
registram nas três esferas do Poder Executivo, com o baixo nível de
qualidade social da educação; numa contorção absurda e inimaginável, do
ponto de vista do Direito, da razoabilidade e do bom senso, transformam a
vítima em algoz, pois que a inculpam pela corrupção, extraindo, dessa
conclusão teratológica, a conclusão de que não lhe faltam verbas, que
estariam sobejando e sendo desperdiçadas.
Não satisfeitos, promovem comparações entre realidades e grandezas
integralmente distintas, fazendo-o com a mesma finalidade: a de concluir
que não faltam verbas para a educação; sendo que alguns,
despudoradamente, em flagrante violação aos princípios da ética, da
moralidade e até da matemática, concluem que o patamar de investimentos
neste direito fundamental social é equivalente ao de países mais
desenvolvidos.
Dentre os países com os quais se compara o Brasil, destacam-se os EUA, a
Finlândia, a Inglaterra e a Coreia do Sul, para se chegar a esta
conclusão.
Aqui, pode-se aplicar a velha metáfora, segundo a qual os números não
mentem, mas, os mentirosos fabricam números; senão, veja-se:
O PIB dos Estados Unidos é quase sete vezes superior ao do Brasil, $ 15
trilhões, contra 2,3; o PIB per capta, 4,5 vezes, $ 48.100 e $ 11.600,
respectivamente; o investimento anual, por aluno é de 5 por 1, $15.000
versus menos de $3.000.
Quanto à Finlândia, a proporção do PIB per capta é de $ 38.300, para $
11.600; o investimento por aluno é de $ 10.000. No pertinente ao Reino
Unido, de $ 35.900, para $ 11.600; e $ 11.000. Já em relação à Coreia do
Sul, de $ 31.700, para $ 11.600; e $ 8.000.
Como demonstram os números, as aleivosas comparações não resistem ao
menor sopro de realidade e de sinceridade. Quem as alimenta tem plena
consciência de que o faz por deliberado ato de desonestidade política,
social e intelectual.
Somam-se a isto os seguintes dados: 1.367 municípios, dos 5.566, vivem
exclusivamente do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), não
possuindo qualquer outra fonte de arrecadação, conforme relatório da
Confederação deles (CNM); consoante apuração do IBGE, em 2010, a
arrecadação tributária representou esta distribuição: 48,2% para a
União; 29,2% para os estados; e 22,6%, para os municípios.
As desigualdades econômicas e sociais são tão gigantescas como a
extensão territorial do Brasil, como mostram os números do PIB, por
estado, com percentuais de 2010, os mais recentes em termos de
disponibilidade.
Os dados retrodescritos, ao contrário do que dizem os saudosistas do
elitismo, gritam por mais investimentos na educação. E mais: para que
esta, efetivamente, seja investida na condição de o primeiro dos
direitos sociais fundamentais sociais, como determina o Art. 6º da CR.
Por isto, a Contee e as 84 entidades sindicais de primeiro e segundo
graus a ela filiadas jamais desistirão de defender a educação,
enfrentando as trincheiras e batalhas que se fizerem necessárias para
tanto.
Neste momento, a prioridade é a aprovação do PNE, assegurando, nele, a
destinação de 10% do PIB para a educação pública, com a definição das
fontes de custeio, que passa, necessariamente, pela aprovação do PL 323,
na sua versão que garante a destinação de 75% dos royalties do petróleo
e 50% do fundo social.
Esses investimentos, a toda evidência, proporcionarão, se forem bem
geridos, as adequadas condições para a construção do padrão de qualidade
social da educação, que tem como suporte: universalização da educação,
inclusive para as crianças de até 3 anos, hoje absurdamente excluídas,
apesar de o atendimento a elas constituir-se em garantia constitucional,
inserta no Art. 7º, inciso XXV, e 208, inciso III, da CR;
infraestrutura adequada, devidamente dotada de biblioteca e
laboratórios; escola de tempo integral; e valorização dos profissionais
da educação escolar.
Frise-se que a valorização destes profissionais igualmente
caracteriza-se como princípio constitucional, insculpido no Art. 206,
inciso V, da CR. Essa valorização somente poderá efetivar-se com quadro
de carreira, que lhes assegure remuneração digna, que, em nenhuma
hipótese, avaliza o atual piso legal, por ser ele aviltante; formação
permanente; licença periódica remunerada, para aperfeiçoamento;
dedicação exclusiva a uma só escola; destinação de um terço da carga
horária semanal, para estudos, planejamento e avaliação, como
preconizado pelo Art. 67, inciso V, da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), Lei N. 9.934/96.
É bem de ver-se que a educação brasileira é sistêmica, não obstante o
ensino ser livre à iniciativa privada, consoante o disposto no Art. 209
da CR. Equivale a dizer: todas as regras e garantias abrangem,
integralmente, sem exceção, as escolas públicas e as privadas.
Assim, é imperioso que a valorização dos profissionais da educação
escolar, em destaque, não seja pensada e muito menos restrita aos da
rede pública, devendo, obrigatoriamente, em igualdade de condições, ser
extensiva aos das escolas privadas, sob pena de se quebrar o princípio
de unidade da educação e de se transformar o ensino em mercadoria, o que
é vedado pelo Preâmbulo e pelos artigos 1º, inciso IV, 6º, 170, caput,
193, 205, 206, 208, 209 e 214, todos da CR.
Sem essas garantias, não haverá padrão social de qualidade da educação,
e, por conseguinte, conquista da cidadania plena: passo primeiro e
certeiro para o bem estar e a justiça sociais, que são os objetivos da
ordem social brasileira, por força do que determina o Art. 193 da CR.
A luta pela construção do padrão de qualidade social da educação é
cidadã, ou seja, é de todos quantos almejam bem estar e justiça sociais e
o desenvolvimento da nação. Por isso, a Contee e a entidades a ela
filiadas conclamam-nos a também empunharem esta bandeira, somando-se na
luta pela sua conquista, que tem como primeiro e certeiro passo a
aprovação do PNE.
Afinal, como lecionava o saudoso e inesquecível Mestre Paulo Freire: “a
educação sozinha não muda a sociedade, mas, tampouco, haverá mudança
social sem a educação.”
José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee