quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Orçamento da União: a força da especulação financeira permanece

18 DE DEZEMBRO DE 2013 - 19H28 
Elaborado por Auditoria Cidadã da Dívida
Orçamento da União 2014
Quase metade do Orçamento da União (42,42%) será abocanhada pelos especuladores financeiros


O Congresso Nacional aprovou, nesta quarta-feira (18), o Orçamento Geral da União para o próximo ano.

Por José Carlos Ruy


A notícia foi saudada pelo Secretário-Geral da Presidência da República, ministro Gilberto Carvalho, como demonstração da “maturidade da relação entre Executivo e Legislativo”. Para ele, o “governo tem que agradecer desse ponto de vista” pois a aprovação permitirá que o governo já comece 2014 trabalhando. O valor total do Orçamento da União para 2014 é R$ 2,48 trilhões.

Entretanto, uma análise do orçamento para 2014, divulgada pelo portal Auditoria Cidadã da Dívida traz inúmeras críticas ao orçamento aprovado. A principal delas diz respeito ao volume de recursos destinado ao pagamento de juros amortizações da dívida pública: a impressionante quantia de R$ 1,002 trilhão, ou quase metade (42%) do total do orçamento.

É de fato uma quantia imensa; ela revela que “o maior problema do gasto público brasileiro”, afetando todas as áreas sociais: é um volume de recursos 10 vezes superior ao previsto para a saúde, a 12 vezes ao previsto para a educação, quatro vezes maior do que a folha de pagamento do governo federal (que inclui os servidores federais, ativos e aposentados). É um valor 192 vezes maior do que o reservado para a Reforma Agrária.

Salário Mínimo e aposentadorias
O orçamento aprovado mantém a política de recuperação do valor do salário mínimo com base na Lei nº 12.382/2011 que prevê reajustes correspondentes à inflação mais aumento real do PIB dos dois últimos anos. Para 2014, isto significa um reajuste de 6,8% (de R$ 678,00 para R$ 724 em 1/1/2014), correspondente à inflação (INPC) de cerca de 6% mais o aumento real equivalente ao PIB de 2012 (0,87%).

Entretanto, o orçamento para 2014 não prevê aumento real para as aposentadorias acima do salário mínimo, sob o eterno argumento de que, com um aumento maior do salário mínimo, a Previdência Social não teria recursos suficientes para pagar as aposentadorias - uma falácia que não se sustenta ante os dados da arrecadação federal.

Também são sacrificados os ente federados (estados e municípios). Enquanto os rentistas receberão 42% dos recursos orçamentários federais em 2014, diz a Auditoria Cidadã da Dívida, os 26 estados, Distrito Federal e mais de 5.000 municípios receberão 9,9% (apenas um quarto do valor previsto para a especulação financeira), e isso - diz - significa uma afronta ao federalismo.

A coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida Maria Lucia Fattorelli, juntamente com a coordenadora do Núcleo do Distrito Federal, Eugenia Lacerda, foram ao Senado, onde entregaram uma Carta Aberta alertando contra as distorções presentes no PL 99/2013, a Lei Orçamentária Anual, que mantém a mesma extorsiva remuneração nominal que é exigida dos entes federados desde o final da década de 90, imposta pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. 

Quando senadores interpelados pela equipe da Auditoria Cidadã da Dívida alegaram temer a reação negativa dos setores rentistas, eles deixaram claro poder que a especulação financeira ainda mantém no Brasil, nas esferas política, econômica, financeira e jurídica.

Carta Aberta aos Senadores sobre a Dívida dos Estados e Municípios
A Carta Aberta distribuída aos parlamentares, assinada pela Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, arrola um conjunto de denúncias a respeito da Lei Orçamentária e do poderio que o “Sistema da Dívida” mantém no país, seja em âmbito federal (cujo pagamento consome, a cada ano, cerca de metade do orçamento federal), seja no âmbito dos estados e municípios.

A Carta enfatiza que, em 2012, o “serviço da dívida” consumiu 43,98% dos recursos orçamentários da União; no mesmo ano, a transferência para os 26 (vinte e seis) Estados, Distrito Federal, e mais de 5.564 (cinco mil, quinhentos e sessenta e quatro) Municípios foi de somente 10,21% dos recursos do orçamento. Isto é, como no orçamento aprovado para 2014, aqueles repasses (determinados pela Constituição) foram de apenas 25% da montanha de recursos abocanhada pela especulação financeira. 

Este é, diz a Carta, o “principal entrave ao atendimento imediato dos direitos reivindicados por milhões de brasileiros(as), objeto das diversas manifestações populares ocorridas durante o mês de junho” quando, em “centenas de cidades de nosso país, o povo foi às ruas reivindicando melhoria dos serviços de saúde, educação, transporte, segurança, dentre outros”. 

Lembra também que a situação dos Estados e Municípios é “ainda mais agravada diante da contínua transferência de atribuições que antes eram assumidas pela União, ao mesmo tempo em que as receitas tributárias são fortemente concentradas na esfera federal”. É uma situação que leva “Estados e Municípios ao absurdo de contrair dívidas externas (junto ao Banco Mundial e junto a bancos privados internacionais)” em busca de recursos para pagar ao Tesouro Nacional. Esta questão, diz a Carta, não é enfrentada devidamente pelo PLC 99/2013 do Senado (PLP nº 238/2013 na Câmara dos Deputados), aprovado nesta quarta-feira.

O artigo 2º do PL 99/2013, diz a Carta, “limita-se a modificar dispositivos da Lei nº 9.496/97 referentes à remuneração nominal cobrada de Estados e Municípios pela União, sobre as dívidas refinanciadas desde o final dos anos 90, que passariam a ser calculados da seguinte forma”: 

- Juros reais 
- são “calculados e debitados mensalmente, à taxa de quatro por cento ao ano, sobre o saldo devedor previamente atualizado” 

- Atualização monetária - “calculada mensalmente com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampliado – IPCA”.

“A nova proposta não enfrenta o problema da dívida dos Estados e Municípios, que vem se acumulando desde a origem da assinatura dos convênios”, diz a Carta, lembrando que a Lei 9.496/97, que exige de Estados e Municípios o pagamento de uma onerosa remuneração nominal, “fez parte de um pacote que exigiu a implantação de rigoroso plano de ajuste fiscal e a privatização de patrimônio público regional, destacando-se a privatização dos bancos estaduais, cujos passivos se transformaram em dívidas dos estados”. 

Nestes sentido, dados da Secretaria do Tesouro Nacional mostram que, apesar de terem cumprido as onerosas condições da Lei 9.496, Estados e Municípios viram sua dívida quadriplicar!

A Carta também denuncia as ilegalidades e ilegitimidades que fazem crescer a dívida dos entes federados. É uma dívida que se encontra inflada, diz a Carta, “desde a origem dos convênios firmados com base na Lei 9.496/97, cuja gênese está expressa em Carta de Intenções de dezembro/1991 com o FMI, itens 24 e 26”. E destaca, entre essas ilegalidades, as seguintes:

- Desrespeito ao Federalismo: A exagerada remuneração nominal estabelecida na Lei 9.496/97 impôs ônus excessivo aos Estados e Municípios. Em 2010 a mesma União que cobrava taxas de 20% aos entes federados fez empréstimos aos EUA a taxas inferiores a 1% e o BNDES emprestou a empresas privadas a taxas inferiores a 6% ao ano.

- Desrespeito à Sociedade: Da mesma forma que não cabe a cobrança de tributos entre os entes federados (Constituição Federal, art. 150, VI, “a”), pois eles recairiam sobre cidadãos que vivem ao mesmo tempo vive em um município, um estado e no país; é um ônus excessivo sem contrapartida alguma, pois a mesma Lei 9.496 determinou que os valores recebidos dos Estados e Municípios são destinados obrigatoriamente ao pagamento da dívida pública federal - isto é, ao pagamento dos encargos da dívida (juros e amortizações) cobrados pelos especuladores financeiros. 

- Cobrança de juros sobre juros: a elevada exigência de remuneração tem transformado parcela de juros em nova dívida; os muros são capitalizados, desrespeitando a súmula 121 do STF, de 1963, que declara esta prática ilegal ao dizer: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada.”

- Capitalização mensal de juros: A Lei da Usura (Decreto nº 22.626/1933), que continua em vigor determina que é “proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano”. Isto é, juros vencidos e não pagos deveriam ser computados à parte, não podendo sobre eles incidir novos juros, em obediência à Súmula 121 do STF. Além o Decreto 22.626/33 aponta para outra questão relevante: os juros somente poderiam ser acumulados em conta-corrente ao final de cada ano e não mensalmente.

- Cobrança de juros superiores aos autorizados pelo Senado: Na prática, os juros que estão sendo pagos pelos entes federados têm sido superiores aos autorizados em Resoluções do Senado Federal. No caso de Minas Gerais, por exemplo, em vez dos 7,5% a.a. autorizados pelo Senado, foram pagos 7,763%, o que significou erro nos cálculos superior a R$ 2 bilhões no período analisado. No caso do Rio de Janeiro, em vez de 6%, foram pagos 6,17% a cada ano.

- Exigência de robustas garantias: O pagamento das dívidas dos entes federados tem como garantia as transferências constitucionais obrigatórias devidas pela União, o que significa que o risco de inadimplência é nulo, não justificando cobrança de remuneração tão abusiva;

- Desconsideração do valor de mercado dos títulos estaduais e municipais: A União não considerou o baixo valor de mercado da dívida mobiliária estadual e municipal, tendo refinanciado tais dívidas a 100% de seu valor nominal, e isso representou inaceitável transferência de recursos públicos para o setor financeiro privado. Também foram ignoradas as práticas fraudulentas denunciadas pela CPI dos Títulos Públicos (conhecida como CPI dos Precatórios).

A Carta Aberta aos Senadores (leia aqui) é um documento que os brasileiros que defendem o desenvolvimento do país e a aplicação produtiva dos recursos orçamentários precisam conhecer, divulgar e debater. 

Ela revela o roteiro usado pela especulação financeira para vampirizar o Orçamento da União, levando para os cofres e contas bancárias dos especuladores recursos que deveriam ser destinados ao financiamento do desenvolvimento e ao fortalecimento dos programas sociais, da saúde e da educação em nosso país. 

A Carta ao Senado revela a face oculta da herança perversa do neoliberalismo que ainda persiste no Brasil e continua sendo o principal entrave para o desenvolvimento nacional.

Com informações do portal Auditoria Cidadã da Dívida 


Nenhum comentário: