terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Isaac Roitman: "Educação é a máquina que prepara as democracias".

Parafraseando Anísio Teixeira, o coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Isaac Roitman, falou ao Vermelho sobre as perspectivas para a educação brasileira a partir da conquista de 50% das verbas do Fundo Social do Pré-Sal. Roitman falou ainda sobre a relação entre educação em desenvolvimento, sobre os principais avanços na área obtidos no governo Lula e sobre os desafios da educação pública.

O coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da SBPC, professor Isaac Roitman, foi o entrevistado da Reportagem Especial "Educação e Desenvolvimento"

Vermelho: Para o senhor, qual é a relação entre educação e o desenvolvimento de um país?
Isaac Roitman: A correlação entre educação e desenvolvimento é absoluta. Isto foi demonstrado em um grande número de países. No entanto é preciso que a educação não seja direcionada somente para o mercado de trabalho e para a competição econômica internacional. É preciso que a educação forme cidadãos com responsabilidade social para que possamos superar a assimetria social no país, um dos nossos maiores problemas.
Vermelho: Quais os principais desafios da educação no Brasil, para que seja um elemento que efetivamente contribua com o desenvolvimento?
Isaac Roitman: O desafio maior é conquistarmos a qualidade no ensino da primeira infância (0-3 anos), no infantil e no ensino básico (fundamental e médio). Com essa conquista teremos certamente também um ensino superior de qualidade. Sem a valorização do professor, principalmente os dos primeiros anos de escolaridade, não teremos nenhuma perspectiva de alcançarmos a qualidade. O professor deve ter uma formação sólida, ter boas condições de trabalho, ter uma carreira baseada em seu desempenho e uma remuneração digna. No dia em que o salário do professor da escola pública estiver na faixa das melhores remunerações do servidor público, as melhores inteligências serão atraídas para o magistério e assim teremos resolvido o principal pré-requisito para a conquista da qualidade na educação.
Vermelho: O governo Lula conseguiu enfrentar alguma questão importante em relação à educação? Quais foram os principais avanços e as principais limitações da política educacional do governo Lula?
Isaac Roitman: No governo Lula ocorreram avanços importantes na educação. Destaco, em primeiro lugar, a obrigatoriedade de ensino dos 4 aos 17 anos; depois o fim da DRU (Desvinculação de Receitas da União) da educação. A DRU retirava do orçamento do MEC, desde 1995, cerca de R$ 10 bilhões ao ano; Em terceiro lugar, a criação do Fundo da Educação Básica (Fundeb), que substituiu o da Educação Fundamental (Fundef), que multiplicou por dez a complementação da União que visa equacionar o investimento por aluno no país, além de incluir as matrículas da educação infantil, do ensino médio e da educação de jovens e adultos, desconsideradas pelo fundo anterior, que era restrito ao ensino fundamental regular; Outro ponto a ser destacado ainda são a consolidação dos processos de avaliação da educação e a criação da Comissão Nacional de Avaliação e a instituição do Reuni, que permitiu a expansão dos Institutos Tecnológicos e das Universidades Federais; Por fim, destaca-se a atuação da Capes no ensino básico como suporte para a formação e qualificação de professores e atuação importante no ensino superior da Universidade Aberta.
No entanto, algumas questões crônicas não foram resolvidas, como a erradicação do analfabetismo, o engessamento operacional das universidades públicas e o direcionamento de nossa pós-graduação, priorizando as áreas de fronteira no século XXI da pesquisa e inovação.
Vermelho: O Banco Mundial, durante toda a década de 90, financiou projetos em toda a América Latina – e no Brasil – que fortaleciam a idéia de que países “em desenvolvimento” deveriam se preocupar em investir no ensino básico e que o ensino superior, por exemplo, deveria ser de responsabilidade apenas do setor privado. Qual o objetivo de instituições internacionais em apresentar imposições como estas para realizar empréstimos? Qual a influência que instituições como o Banco Mundial tiveram no desenvolvimento das políticas educacionais no Brasil, especialmente na década de 90? Como é esta relação hoje?
Isaac Roitman: Na minha opinião nunca deveríamos procurar financiamento internacional para uma área estratégica como é a educação ou a ciência e tecnologia. O financiamento da educação deve ser responsabilidade do Estado brasileiro e as políticas da educação brasileira devem estar sintonizadas com um projeto de nação, que elimine as desigualdades sociais onde cada cidadão tenha a oportunidade de realizar seus sonhos e anseios. A expansão desordenada do ensino superior privado pode ser apontada como uma das seqüelas das políticas educacionais da década de 90. Esse setor atualmente é responsável pela formação de mais de 70% dos estudantes do ensino superior brasileiro.
Vermelho: O sr. concorda que a escola pública brasileira está em situação de falência? De que forma o país deve enfrentar este problema? Além de aumentar vertiginosamente o financiamento, deve-se pensar em mudanças no modelo educacional?
Isaac Roitman: Infelizmente concordo. Acho que chegamos ao fundo poço. A educação não pode continuar a ser uma política de governo. Ela deve ser reformulada e planejada e ser uma política de Estado. Para termos esta transformação, é necessário que a sociedade se mobilize permanentemente. Sem pressão social, continuaremos a proporcionar uma educação muito aquém para os nossos jovens. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), através de seu grupo de trabalho em educação, lançou no final de 2009 o Movimento: “SBPC: Pacto pela Educação”. Esse movimento conta com a parceria de vários segmentos importantes da sociedade: acadêmico, estudantil, empresarial, sindical e movimentos sociais: “Todos pela Educação” e a “Campanha Nacional pelo Direito à Educação”. Esse conjunto de entidades fará propostas de curto, médio e longo prazo que serão entregues aos nossos governantes. As proposições serão acompanhadas e avaliadas ao longo das próximas décadas e exercerão pressão para que elas não sejam descontinuadas nos próximos governos. Dentro das medidas, destacam-se: formação e valorização do professor; ambiente escolar adequado; processos pedagógicos permanentemente atualizados, onde os estudantes deverão ser estimulados para a criatividade, a crítica, a responsabilidade social, etc; conteúdos apropriados e utilização das inovações no campo da comunicação; avaliação como processo da melhoria da aprendizagem e gestão profissional. É fundamental que haja financiamento condizente com os processos de transformação a serem implantados.
Vermelho: Para que serve hoje o Ensino Médio no Brasil? E para que ele deve servir? Deve ser uma porta de entrada para a universidade ou para o mercado de trabalho? Qual a relação entre educação e trabalho e entre educação e ciência, tecnologia e inovação?
Isaac Roitman: O ensino médio carece de profundas transformações. Atualmente praticamente ele serve para preparar cérebros, que são treinados para terem um bom desempenho em testes de múltiplas escolhas, utilizados para o acesso ao ensino superior. O ensino médio e profissional deveria ser terminal para parte da população. O importante é que esse ensino prepare recursos humanos de forma competente. Esse profissional deveria ter remuneração semelhante aos egressos do ensino superior. O conjunto de técnicos bem preparados formados no ensino médio/profissional e pesquisadores criativos se constituirão na base do desenvolvimento científico, tecnológico e da inovação.
Vermelho: Os estudantes brasileiros defenderam a bandeira de 50% das verbas do Fundo Social do pré-sal para a Educação e acabaram de ver esta bandeira aprovada no Congresso Nacional. Qual impacto o sr. avalia que uma emenda como esta terá no cenário da educação brasileira? O Senado também aprovou que 80% destes recursos sejam destinados à Educação Básica. Qual a sua opinião acerca desta medida?
Isaac Roitman: Não podemos repetir os erros do passado. O Brasil perdeu várias oportunidades de construir um país mais justo com riquezas naturais que foram desperdiçados e só serviram para prolongarmos a nossa situação de colônia. Assim foi com a borracha, o açúcar, o ouro e com o café. Temos agora uma nova oportunidade com a bioenergia e em um futuro próximo com pré-sal. Os estudantes têm toda a razão, pois as oportunidades perdidas limitarão os horizontes das futuras gerações. Um elevado percentual do Fundo Social deveria deve ser usado para investir na educação que como já dizia Anísio Teixeira é a “máquina que prepara as democracias".

Da Redação, Luana Bonone
http://www.vermelho.org.br/

Entidades identificam carências e apontam soluções para educação

O Portal Vermelho foi atrás das principais entidades do movimento educacional para saber o que propõem. Madalena Guasco, coordenadora geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em estabelecimentos de Ensino (Contee), Yann Evanovick, presidente da União Braisleira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Júlio Neto, diretor de políticas educacionais da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e Sérgio Haddad, da ONG Ação Educativa, falam sobre o modelo educacional brasileiro.
   Entidades defendem um sistema nacional articulado de educação e debatem outras pautas que tiveram destaque na Conferência Nacional de Educação
   Segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), o perfil mais comum do profissional da educação é o de uma mulher de meia idade que normalmente realiza sozinha as tarefas domésticas e leva (bastante) serviço para casa. Gosta de ler, mas tem pouco acesso a cinema, teatro e à internet. O simples perfil médio dos profissionais da educação já serviria para identificar limitações e desafios relacionados às condições de trabalho dos professores, mas as entidades do movimento educacional têm muito mais a dizer acerca da educação no Brasil.
O consenso que pode ser observado nas falas das entidades educacionais é de que o modelo de educação precisa passar por uma transformação a fim de tornar a escola um ambiente mais atrativo e democrático. Por outro lado, maciços investimentos são necessários também para que a formação do Ensino Básico cumpra papel real para o desenvolvimento do país e para que o Ensino Superior seja universalizado.
Para Sérgio Haddah o principal desafio é a melhoria da qualidade do ensino básico, o que “não é um desafio simples de ser superado, pois é condicionado a muitos e interligados fatores”. O dirigente da Ação Educativa pauta a necessidade de “constituição de um sistema nacional de educação, já que a educação básica está nas mãos dos estados e municípios, com todas as suas diversidades e desigualdades”.

Madalena Guasco (ao microfone): “não cumprimos sequer as metas republicanas na educação brasileira”

Metas republicanas
Madalena Guasco é bastante objetiva em sua constatação: “não cumprimos sequer as metas republicanas na educação brasileira”, referindo-se ao fato do Brasil não ter conseguido universalizar a educação superior pública e nem o ensino médio. A professora da PUC-SP avalia ainda que o processo de universalização do ensino fundamental resultou em uma escola de péssima qualidade e alto índice de evasão, além de destacar a grande deficiência ainda existente no ensino infantil.
Em relação à evasão, o diretor da ANPG Júlio Neto enfatiza que “a escola contemporânea deve ter outros paradigmas que não sejam os da opressão, da discriminação, mas que dê protagonismo aos jovens”. O presidente da Ubes destaca que o reduzido número de creches existentes no país tem impacto importante no debate do direito a trabalho e educação das jovens mulheres.

Analfabetismo

Yann lembra de um outro problema que considera central ao se tratar de educação no Brasil: o analfabetismo. Yann destaca que países da América Latina com economias mais pobres que o Brasil já conseguiram erradicar o analfabetismo, e cita a Venezuela como exemplo.
Sobre o ensino médio, o presidente da Ubes considera que hoje a modalidade não cumpre sua função: “o Ensino Médio precisa ser completamente reformulado, para que seja participativo, atrativo, com cultura e esporte, além disso precisa oferecer a perspectiva de entrada no mercado de trabalho”. Yann acredita ainda que é preciso investir no ensino técnico, mas ressalta que não há rubrica específica para a modalidade. A Ubes apoia Emenda Constitucional que tramita no Senado com o objetivo de vincular um percentual do Orçamento da Educação ao Ensino Técnico.
Como forma de oferecer perspectiva aos estudantes do ensino médio público e também democratizar o acesso à universidade, a Ação Educativa aposta em ações afirmativas: “precisamos de políticas afirmativas para romper com o ciclo de reprodução das desigualdades na educação”, comenta Sérgio Haddad.

Valorização do professor
Além das constatações de necessidade de ampliação de vagas no ensino infantil, no médio, no técnico e no superior e da necessidade de estabelecimento de um sistema integrado de educação no país, as entidades advogam a importância da valorização do profissional da educação na busca de uma educação de qualidade.
“Os desafios são muitos e na busca pela superação de uns, caímos em outros. O Brasil avançou na universalização da educação básica, mas isto se deu com a precarização do trabalho em educação, da docência e das condições de ensino e aprendizagem. Devemos lutar pela valorização do ambiente escolar desde as suas estruturas físicas até as questões de salário e carreira dos professores”, afirma Júlio Neto.

A Ação Educativa teve atuação destacada durante a Conae
Na mesma linha, Sérgio Haddad avalia que “não é possível melhorar a qualidade do ensino sem uma valorização do magistério, sem que as universidades públicas abram seus espaços de formação para os professores que irão entrar ou já estão nas redes de ensino; sem mais investimentos financeiros, sem pesquisa, etc”.

Da redação, Luana Bonone
http://www.vermelho.org.br/

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

CTB rechaça declaração de Mantega sobre valor do Salário Mínimo

Em entrevista coletiva concedida na tarde desta terça-feira (4), em Brasília, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sugeriu que a presidente Dilma Rousseff deve vetar qualquer alteração do valor proposto para o mínimo pelo governo (540 reais) na mensagem enviada ao Congresso Nacional. A fala do ministro não foi bem recebida nos meios sindicais e pode sinalizar o primeiro conflito entre o novo governo e as centrais.


“Neste momento é temerário aumentar acima de R$540. Se vier algo diferente, vamos simplesmente vetar. Aumento acima do previsto vai causar deterioração das contas públicas”, ressaltou Mantega.



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Retrocesso



“Não aceitamos este retrocesso”, afirmou ao Vermelho o secretário adjunto de Relações Internacionais da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras de Brasília), João Batista Lemos. Ele cita cálculos do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócioeconômica (Dieese) para argumentar que o novo valor proposto “significa arrocho, pois consolida uma perda de 0,55% frente ao INPC do período [janeiro de 2010 a janeiro de 2011], que deve ficar em 6,47% enquanto a correção proposta pelo governo é de 5,88%”. É necessário considerar, ainda, que a inflação para quem ganha o mínimo foi maior, "uma vez que o preço dos alimentos subiu relativamente mais que outros bens. Por esta razão, a inflação para as camadas de mais baixa renda foi maior do que sugere o índice oficial [INPC]".



Para zerar a inflação, considerando o índice oficial, e empatar o jogo, o mínimo deveria ser de 543 reais, de acordo com o Dieese. Mas, os sindicalistas defendem um aumento real maior e propõem um valor de 580 reais. “Não se trata de esmola, mas de um direito da classe trabalhadora”, esclarece Batista. “É o resgate de um longo período de arrocho. Apesar da expressiva valorização ocorrida ao longo do governo Lula, o valor real do salário mínimo proposto ainda fica abaixo daquele que o trabalhador recebia há 25 anos [1986]”, salientou.



A política de valorização é na verdade uma política de recuperação do valor do salário mínimo, na opinião do sindicalista. “A mão-de-obra no Brasil é muito mal retribuída e o custo do trabalho por aqui é um dos menores do mundo, apesar da lengalenga dos capitalistas, que estão lucrando como nunca”, afirma.



Fonte de desenvolvimento



Na opinião de Batista Lemos, não há razão para retrocessos na política de valorização do mínimo. “Não creio que seja um bom começo o novo governo arrochar salário. As centrais sindicais estão unificadas e vão lutar no Congresso Nacional e também junto ao governo pelo salário de 580 reais. A orientação da Fazenda está em contradição com o projeto nacional de desenvolvimento com distribuição de renda anunciado pelo governo Dilma”, sustenta. “O Salário Mínimo é o principal instrumento de distribuição de renda no Brasil”.



De acordo com estatísticas do Dieese, o mínimo acumula um ganho real de 52,83% desde 2002, o que se traduziu numa expressiva recuperação das perdas impostas nas décadas anteriores, embora esteja ainda longe do salário mínimo necessário (constitucional), estimado em mais de 2 mil reais.



“É fundamental entender que o Salário Mínimo é fonte de crescimento econômico e desenvolvimento”, diz Batista. “Não é por coincidência que o período de maior valorização do mínimo foi acompanhado de um crescimento mais robusto da economia nacional. Os estudiosos do tema são unânimes em apontar a valorização dos salários, em especial do mínimo, como o motor do fortalecimento do mercado interno, da alta do consumo e da reação positiva da economia nacional à crise mundial do capitalismo, mostrando que as centrais têm razão quando apontam a valorização do trabalho como uma alavanca do desenvolvimento.”



Produção versus especulação



Por estas razões, conforme o dirigente da CTB, “o novo valor do mínimo não é apenas uma questão elementar de justiça social, relaciona-se ao desenvolvimento econômico e ao futuro do Brasil. Como já disse o Lula, o pouco que o Estado transfere aos mais pobres vira consumo e incentiva a produção, ao passo que centenas de bilhões de reais subtraídos do orçamento para alimentar a sede de lucro do capital financeiro, via pagamento da dívida pública, são desviados para a especulação, sufocando os investimentos e reduzindo o potencial da indústria”.



A intransigência da equipe econômica em relação ao mínimo está diretamente associada ao anúncio de um ajuste fiscal no início do governo, medida pleiteada pelas forças conservadoras. Afinal, um mínimo maior significa mais despesas com aposentadorias e pensões.



As centrais prometem resistir se prevalecer o ponto de vista da Fazenda. “Vamos às ruas em defesa de um mínimo maior”, promete o dirigente da CTB. “Afinal, os congressistas se concederam um reajuste generoso, que repõe a inflação e garante aumento real de seus vencimentos. Os trabalhadores mais humildes, que vivem de Salário Mínimo, também merecem algo melhor que o arrocho proposto pela equipe econômica”.



A batalha no Congresso



A preocupação da equipe econômica não é só com os movimentos sociais e as centrais sindicais. Não é à toa que Mantega fala em veto governamental, que remete à possibilidade de rebeldia do Congresso Nacional, apesar da ampliação da base aliada do governo Dilma em relação ao de Lula.



As declarações do ministro foram feitas menos de duas horas depois de o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), dizer que o partido precisa ser “convencido” do valor do mínimo para este ano. As declarações de Alves foram feitas após reunião da cúpula do PMDB, em Brasília.



No Congresso Nacional, além de eventuais dissidências no PMDB, parlamentares da esquerda ligados aos movimentos sociais (caso do PCdoB, PT, PDT e PSB, entre outros) tendem a aderir à pressão por um valor maior. Os sindicalistas esperam que a presidente Dilma revele maior sensibilidade política e social que o Ministério da Fazenda, convoque as centrais para uma negociação e defina um valor maior para o novo mínimo, prevenindo a possibilidade de um confronto com os sindicatos.



Da Redação, Umberto Martins

Advogado de Battisti publica reflexões explicando o caso

O advogado Luís Roberto Barroso, que defende o refugiado Cesare Battisti no STF, enviou ao sítio de internet Migalhas uma "Carta aos migalheiros: Reflexões sobre o caso Cesare Battisti". Trata-se de uma explicação sintética e uma exposição bem fundamentada das razões da defesa. O documento, bastante esclarecedor, tem grande importância política, em vista das dimensões nacionais e internacionais que o “Caso Battisti” ganhou. Veja abaixo.


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Nas últimas semanas, tenho acompanhado, com interesse profissional e acadêmico, os diversos artigos e comentários que têm sido veiculados em Migalhas sobre o processo envolvendo o pedido de extradição e a concessão de refúgio a Cesare Battisti. Fiz grande proveito pessoal de todas as manifestações, assim as favoráveis como as desfavoráveis. Naturalmente, como advogado da causa, não poderia me apresentar como alguém que tenha uma visão neutra e imparcial. Mas, de longa data, sou militante da crença de que quem pensa de maneira diferente da minha não é meu inimigo nem meu adversário, mas meu parceiro na construção de um mundo plural e tolerante. E acho, de maneira igualmente sincera, que em um tema levado ao debate público, todos têm direito à própria opinião. Mas, talvez, não aos próprios fatos. As anotações que se seguem têm por finalidade narrar objetivamente os fatos relevantes e expor as principais teses jurídicas que estão em discussão. Ao final, cada leitor, de maneira independente e esclarecida, formará a sua convicção.



1. Militância comunista e no PAC. Cesare Battisti ingressou na organização Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) em 1976, com pouco mais de 20 anos. Nascido em uma família comunista histórica, militou desde os dez anos na causa, tendo participado dos movimentos Lotta Continua e Autonomia Operária. O PAC praticou inúmeras ações subversivas no período entre 1976 e 1979, com o propósito de enfraquecer e, eventualmente, derrubar o regime político italiano. Tais ações incluíram furtos de carros, furtos em estabelecimentos de crédito, furtos de armas, propaganda subversiva e quatro mortes. Os mortos foram um agente penitenciário, um agente policial e dois “civis”: um joalheiro e um açougueiro. Os dois civis eram ligados à extrema direita, andavam armados e haviam matado militantes de esquerda, em reação a “operações subversivas de auto-financiamento”.



2. Fim do PAC, prisão e julgamento de seus membros. Em 1979, a organização Proletários Armados pelo Comunismo foi desbaratada e a maioria de seus membros foi presa. Levados a julgamento por todas as operações do grupo naquele período, houve diversas condenações. Quatro dos integrantes do PAC – mas não Cesare Battisti – foram condenados por um dos homicídios: o do joalheiro Torregiani. Cesare Battisti não era considerado sequer suspeito de qualquer dos homicídios e não foi acusado de nenhum deles. Foi condenado, no entanto, a uma pena de 12 anos por delitos tipicamente políticos: participação em organização subversiva e participação em ações subversivas. Esteve preso de 1979 a 1981, em uma prisão para presos políticos que não haviam cometido ações violentas. De lá evadiu-se em 1981, em operação conduzida por um dos líderes do grupo – Pietro Mutti –, que não havia sido preso ainda. Battisti refugiou-se inicialmente no México e depois na França, onde recebeu abrigo político.



3. A delação premiada. Em 1982, Pietro Mutti, que era acusado pelos homicídios e por participação na maioria das ações do grupo, foi preso. Abstraindo das muitas denúncias da Anistia Internacional sobre torturas no período, o fato é que Mutti torna-se “arrependido” e “delator premiado”. Nessa condição, acusa Cesare Battisti de ter sido o autor dos quatro homicídios atribuídos ao grupo. Como dois dos homicídios ocorreram no mesmo dia, em localidades diversas e distantes – o do joalheiro Torregiani e o do açougueiro Sabadin –, Mutti afirmou que Battisti seria responsável pelo primeiro como autor intelectual – teria participado de uma reunião em que se discutiu a ação – e do segundo como cúmplice, dando cobertura ao autor do disparo. Nos outros dois homicídios – dos agentes Santoro e Campagna –, Mutti acusou Battisti de ter desferido os tiros.



4. “Provas” totalmente frágeis. As únicas provas contra Battisti foram a delação premiada de Mutti e a “confirmação” feita por outros acusados dos homicídios e das ações do PAC. Mutti mudou diversas vezes de versão e de pessoas às quais acusava, protegendo e incriminando deliberadamente determinados militantes, conforme reconhecimento textual da sentença. As outras “provas” referidas na sentença italiana fariam corar um aluno de primeiro ano de direito penal. Coisas do tipo: o autor do disparo contra Santoro, segundo testemunhas, era louro e de barba. Battisti é moreno e sem barba. No entanto, segundo Mutti, ele estaria disfarçado. Outra “prova”: a pessoa que ligou para a agência de notícias reivindicando a autoria do fato tinha sotaque do sul da Itália. Battisti é do sul da Itália. Logo, Battisti é o autor do homicídio!? Mais ou menos como incriminar alguém no Brasil por ter sotaque nordestino.



5. Réu revel e indefeso. Procurações falsas. A trama era extremamente simples: a culpa de todos os homicídios foi transferida para Cesare Battisti, o militante que estava fora do alcance da Justiça italiana, abrigado na França. Sem surpresa, o processo de Battisti foi “reaberto”, tendo sido ele julgado à revelia e condenado à prisão perpétua. Sem ter indicado advogado e sem ter sido defendido eficazmente. Detalhe importante: as procurações pelas quais os advogados de defesa teriam sido constituídos foram consideradas falsas em perícia realizada na França. De fato, ao fugir, Battisti deixou folhas em branco assinadas. Tais folhas foram preenchidas anos depois – este o fato comprovado pela perícia –, com nomes de advogados que defendiam diversos dos acusados, indicados pela liderança do PAC (isto é, pelos delatores premiados). Não apenas o conflito de interesses era evidente, como o advogado que “defendeu” Battisti afirmou que jamais falou com ele, razão pela qual sequer poderia contestar as acusações sobre novos fatos imputados pelos delatores premiados.



6. Abrigo político na França. Battisti permaneceu na França, como abrigado político, por 14 anos. Trabalhou como zelador até tornar-se um escritor reconhecido, publicado pelas principais editoras francesas. Dentre outras coisas, denuncia as arbitrariedades da repressão italiana. Em 1991, a Itália requereu sua extradição, que foi negada pela Justiça francesa. Cesare Battisti casou-se e teve duas filhas, uma nascida no México, hoje com 25 anos, e outra na França, hoje com 14 anos. Jamais esteve envolvido ou foi acusado de qualquer ação anti-social desde 1979. Em 2003, mais de 12 anos depois do primeiro pedido de extradição, Sílvio Berlusconi chega ao poder na Itália e passa a perseguir os antigos militantes que haviam participado dos anos de chumbo. Diante da recusa da Inglaterra e do Japão de extraditarem antigos acusados, Cesare Battisti se transforma no último troféu político daquele período. A Itália requer uma vez mais à França, já agora sob o governo de Jacques Chirac, a extradição de Cesare Battisti. A França defere. Antes da execução da decisão, Cesare Battisti foge para o Brasil.



7. Prisão e refúgio no Brasil. Em 2007, já próximo das eleições francesas, Battisti é preso no Brasil com a ajuda da polícia francesa, à época comandada por Sarkozy, Ministro do Interior e candidato à presidência. Sua prisão é utilizada como tema de campanha eleitoral, fato amplamente noticiado pela mídia européia. A Itália requer sua extradição. Como a Constituição brasileira veda a extradição por crime político, o pedido italiano destaca do conjunto das condenações apenas os quatro homicídios e sustenta a tese de que foram crimes comuns. Cesare Battisti requer a concessão de refúgio político ao Conare – Comitê Nacional de Refugiados. O pedido é indeferido por três votos a dois. Em janeiro de 2009, o ministro de Estado da Justiça, Tarso Genro, apreciando recurso contra aquela decisão, concede-lhe refúgio político.



8. Fundamentos do refúgio. A decisão do ministro da Justiça se baseou em um conjunto de fatos que são notórios e foram adequadamente narrados na sua fundamentação. A Itália de fato viveu um período de convulsão política conhecido como “anos de chumbo”. Esse período foi marcado por violência, radicalização e pela aprovação de legislação de exceção. Inúmeros relatórios dos organismos internacionais de direitos humanos registraram fatos graves no período, associados à conduta do Estado italiano. Cesare Battisti foi condenado em julgamento coletivo por tribunal do júri, à revelia. Sua extradição só foi concedida pela França, depois de 14 anos, quando o ambiente político havia se modificado na Itália e na França. Era plausível o temor de perseguição política. Alguém pode até discordar da avaliação política do ministro. Mas a decisão foi bem fundamentada, tendo sido manifestada em linguagem polida e diplomática.



9. Por qual razão aceitei a causa. Procurado pela escritora francesa Fred Vargas, em nome de um grupo de intelectuais franceses que apóia Cesare Battisti, dispus-me a estudar o caso. E, após fazê-lo, aceitei a causa, por considerá-la moralmente justa e juridicamente correta. E isso por duas linhas de razões. A primeira: sou convencido, pelo conjunto consistente de elementos objetivos descritos acima, que Battisti foi transformado em bode expiatório. Seus ex-companheiros e, depois, delatores premiados, estavam certos de que ele se encontrava protegido na França e transferiram-lhe crimes e culpas que jamais teve e pelas quais não havia jamais sido acusado. Ademais, é fora de dúvida que não teve devido processo legal. E de que é um perseguido político. Ainda que não estivesse convencido desses argumentos – como de fato estou –, haveria um segundo, muito consistente.



10. A derrota do socialismo e a vingança da história. Mais de trinta anos se passaram desde os fatos relevantes para o presente processo, ocorridos no auge da guerra fria, do embate entre socialismo e capitalismo. O sonho socialista e a tomada revolucionária do poder faziam parte do imaginário de um mundo melhor de toda uma geração. A minha geração. Eu vi e vivi, ninguém me contou. Condenar esses meninos e meninas – era isso o que eram quando entraram para o movimento – décadas depois, fora de seu tempo e do contexto político daquela época, após a queda do muro de Berlim e da derrota da esquerda, constitui uma expedição punitiva tardia, uma revanche fora de época, uma vingança da história. Gosto de lembrar de uma frase que está inscrita na capela do Castelo de Chenonceau, na França, na entrada, à direita: “A ira do homem não realiza a vontade de Deus”.



O Direito



11. Natureza do ato de refúgio. O ministro da Justiça concedeu refúgio a Cesare Battisti por fundado temor de perseguição política, com base no art. 1º, I da Lei nº 9.474/97. Trata-se, inequivocamente, de um ato político, com ampla margem de valoração discricionária. Havia orientação jurisprudencial expressa do Supremo Tribunal Federal a respeito. Com efeito, a crença de que o conceito jurídico indeterminado “perseguição política” possa ser tratado como algo rigorosamente objetivo, sem margem a valoração discricionária, é singularíssima. Além do precedente já referido – caso Medina –, a doutrina é pacífica. O professor Celso Antônio Bandeira de Mello, referência nacional e internacional do direito administrativo brasileiro, e citado em favor da tese de que se trataria de ato vinculado, veio a público para dizer, textualmente, que discordava veementemente desse ponto de vista. Além disso, afirmou que a Lei nº 9.474/97 impõe que seja extinta a extradição após a concessão de refúgio. Nesse ponto, aliás, a lei brasileira apenas reproduz as Convenções internacionais sobre refúgio e asilo. Não desconheço que muitas pessoas divergem da decisão política do ministro. Mas a verdade é que ele era a autoridade competente para tomá-la.



12. Subversão da jurisprudência. Ora bem: assentado tratar-se de ato político, a jurisprudência histórica do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o Judiciário não deve sobrepor a sua própria valoração política sobre a da autoridade competente. O mérito do ato político não dever ser revisto. Além disso, o Supremo Tribunal Federal, também de longa data, já havia assentado que atos referentes às relações internacionais do país – como o refúgio – são de competência privativa do Poder Executivo. Vale dizer: para extraditar Cesare Battisti, o STF precisa modificar, de maneira profunda, três linhas jurisprudenciais antigas, consolidadas e corretas, passando a afirmar: a) refúgio não extingue automaticamente a extradição; b) não constitui ato de natureza política; e c) atos relativos às relações internacionais do país não constituem competência privativa do Executivo. Até a jurisprudência antiga e reiterada de que o STF apenas autoriza a extradição, mas que a decisão final é do presidente da República, está sob ataque.



13. Impossibilidade da extradição: crime político. Mesmo que o refúgio fosse anulado, a extradição não poderia ser concedida. Cesare Battisti participou de um conjunto de ações na luta política italiana no final da década de 70. Em um primeiro julgamento foi condenado por participar de organização subversiva e de ações subversivas. O segundo julgamento, considerado “continuação” do primeiro, incluiu quatro homicídios. A sentença condenou-o a uma pena única – prisão perpétua – pelo conjunto das ações. Referiu-se a elas como “um único desenho criminoso” e fez mais de trinta referências a “subversão” da ordem política, econômica ou social. Como é possível destacar quatro fatos e tratá-los como crimes comuns quando a sentença é una, a pena é única e a decisão se refere ao conjunto da obra? O próprio STF já negou extradição de italianos por ações análogas praticadas no mesmo período – incluindo homicídio –, sendo que a decisão de uma delas é do mesmo tribunal que condenou Battisti.



14. Impossibilidade de extradição: anistia. A extradição, como se sabe, exige dupla imputação: é preciso que o fato seja crime no país requerente e no país requerido. Os fatos imputados a Cesare Battisti – ainda que se quisesse, arbitrariamente, ignorar sua natureza política –, são conexos com sua atuação política. No Brasil, a Lei da Anistia (Lei nº 6.683/79) e a Emenda Constitucional nº 26, de 1985, anistiaram os “crimes de qualquer natureza” relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política, praticados entre 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979. Pois bem: a sentença italiana afirma, textualmente, que as mortes foram praticadas como justiçamento de “inimigos do proletariado” e de “agentes contra-revolucionários”. Battisti foi até condenado pela reivindicação política dos atentados, tipificada como propaganda subversiva. Como seria possível afirmar que não são crimes que tiveram motivação política? A Itália, passadas mais de três décadas, não conseguiu aprovar uma lei de anistia. Mas nós, sim. Felizmente. Se houve anistia aqui pelos mesmos fatos, não cabe extradição.



15. Impossibilidade da extradição: prescrição. A sentença proferida no segundo julgamento contra Cesare Battisti é de 13.12.1988 – por ironia, data de aniversário do Ato Institucional nº 5. A condenação foi à pena de prisão perpétua. O Ministério Público não recorreu, até porque não tinha interesse. Para ele, portanto, deu-se aí o trânsito em julgado. Em 13.12.2008, consumou-se a prescrição. O entendimento pacífico do STF é que a prisão preventiva – Battisti foi preso em 2007, para fins de extradição – não suspende o curso da prescrição. Para deixar de reconhecer a prescrição, o STF teria que alterar também essa linha jurisprudencial consolidada. Note-se que em relação a um dos homicídios – o de Torregiani – a condenação de Battisti envolve “reformatio in pejus”, já que, no primeiro julgamento coletivo, outras pessoas – e não ele – foram condenadas. Note-se, também, que em relação a esta condenação, a sentença de 1988 foi inicialmente anulada com remessa para confirmação. E foi efetivamente “confirmada”, nos termos da própria decisão italiana. Não se reabriu prazo recursal para o Ministério Público e, portanto, o termo a quo da prescrição não foi alterado.



16. Impossibilidade da extradição: violação do devido processo legal. A extradição é inviável, pois a sentença condenatória violou elementos essenciais do devido processo legal (Constituição, art. 5º, LIV e Lei nº 6.815/80, art. 77, VIII): cuidou-se de revisão criminal in pejus, na qual o peticionário restou revel perante Tribunal do Júri. Além disso, foi condenado a prisão perpétua – sem que a Itália tenha se comprometido a comutar a pena –, representado por advogado que era também patrono de outros réus implicados nos mesmos fatos, em conflito de interesses, sendo certo que o fundamento determinante da nova condenação foi depoimento obtido em programa de delação premiada.



Conclusão



17. Como qualquer pessoa do ramo poderá constatar, não são teses retóricas, sentimentais ou políticas. Pelo contrário, trata-se de argumentação jurídica, fundada no conhecimento convencional e na jurisprudência dominante. A anulação do ato de refúgio, sem procedimento próprio, do qual tivessem participado a autoridade competente e o próprio refugiado, é que não corresponde ao entendimento tradicional, tanto no direito internacional como no interno. Ainda assim, reitera-se aqui o respeito devido e merecido por quem professa crença diversa.



18. Como assinalado, a defesa não seguiu o caminho do argumento humanitário, que poderia ser assim enunciado: Cesare Battisti vive há mais de trinta anos uma vida pacata e produtiva; constituiu família e contribui decisivamente para a criação de duas filhas ainda jovens (14 e 25 anos); é uma pessoa querida e respeitada na comunidade intelectual francesa, da qual participou ativamente nos 14 anos em que esteve abrigado na França. A pergunta é natural e óbvia: em que serve à causa da humanidade mandar esse homem para cumprir prisão perpétua na Itália? Outra pergunta: que sentimentos ainda movem aquele admirável país para fazer com que, décadas depois, não tenha conseguido aprovar uma lei de anistia dos velhos adversários? Mais do que isso, como bem destacou o professor Celso Antônio Bandeira de Mello: observando a inacreditável mobilização política italiana, trinta anos depois dos fatos, é possível imaginar que eles estejam mesmo à caça de um criminoso comum? E alguém acha, verdadeiramente, que há ambiente político na Itália para que esse homem cumpra pena sem grave risco de violações à sua dignidade? Uma última pergunta: por que o Brasil deveria fazer uma ponta nesse filme, desempenhando um atípico papel de carrasco?



19. A defesa não explorou, tampouco, uma linha de argumentação política. Battisti foi militante do sonho socialista, que empolgou corações e mentes em outra fase da história da humanidade. É vítima de uma expedição punitiva fora de época. Cesare Battisti, tragicamente, não consegue se desvencilhar de sua sina de troféu simbólico de disputas políticas por onde passa. Em meio a palavras de ordem e juízos sumários, poucos são os que leram a decisão concessiva de refúgio. E menos ainda os que estão verdadeiramente interessados em sua vida, seus direitos e no terror que o espera em um cárcere político italiano.



20. Não tem sido fácil enfrentar a pretensão da Itália. Por muitas razões. Trata-se de um país fascinante, poderoso e querido pelos brasileiros. Um encantamento que não se abala pelas notícias estarrecedoras que vêm de lá, em domínios que vão da perseguição a imigrantes a usos atípicos de palácios governamentais. Nem por certas práticas políticas que espantariam os mais atentos observadores da cena política latino-americana. Como, por exemplo, a que levou à “convocação” do representante no Brasil do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. Sob ameaças e intimidações, foi obrigado a cancelar as audiências que pedira aos Ministros do STF e teve de fazer as malas e partir. Basta consultar alguém que tenha ouvido seu relato, sofrido e indignado, acerca da pressão feita pela Itália junto ao órgão (Acnur), em Genebra.



21. Tampouco é fácil enfrentar um certo senso comum, que se colhe na opinião pública em geral – e na mídia, em particular – de que, pelas dúvidas, não devemos nos incomodar e nos indispor com a Itália por um indivíduo que nada tem a nos oferecer. Uma visão pragmática e utilitária da vida, que não leva em conta miudezas como dignidade humana e direitos fundamentais das pessoas. É nesse ambiente de indiferença que o público deixa de saber de alguns fatos que talvez fizessem diferença, como por exemplo:



a) que o Procurador-Geral da República até alguns meses atrás – o Dr. Antônio Fernando de Souza –, cujas manifestações sempre atraíram grande interesse da imprensa, pronunciou-se de maneira taxativa pela validade do refúgio e pela extinção da extradição;



b) que na data do julgamento, seu sucessor, Dr. Roberto Gurgel, fez um veemente pronunciamento em favor do respeito ao refúgio, fim da extradição e libertação de Cesare Battisti;



c) que alguns dos mais proeminentes juristas brasileiros, pro bono e desinteressadamente, se pronunciaram em favor do refúgio e da extinção da extradição, dentre os quais os professores José Afonso da Silva, Paulo Bonavides, Dalmo Dallari e Celso Antônio Bandeira de Mello;



d) que a Comissão de Assuntos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil e o Instituto dos Advogados do Brasil se manifestaram favoravelmente à validade do ato de refúgio e à extinção do processo de extradição;



e) que o ministro Joaquim Barbosa não apenas proferiu voto a favor do refúgio e contra a extradição (acompanhado pelos eminentes ministros Eros Grau e Carmen Lúcia), como se queixou de maneira veemente contra a “arrogância” do governo italiano nesse caso e contra a “insistência inapropriada” da Itália em suas gestões junto ao Supremo Tribunal Federal.



22. A perspectiva é que na retomada do julgamento, com o voto-vista do ministro Marco Aurélio, ocorra um empate. Sinal inequívoco de que, no mínimo, há dúvida razoável. Note-se bem: com todo o peso político da Itália e com todo o peso de uma opinião pública predominantemente contrária, talvez haja empate. Só quem estava do lado da defesa pode saber o que isso significa. Pois bem: depois de se excepcionarem tantos precedentes – refúgio não é ato político, relações internacionais não são competência privativa do Executivo, prisão preventiva interrompe a prescrição –, seria o caso de se excepcionar só mais um e decidir: in dubio, pró condenação? Condenar um homem por voto de Minerva? Só para registro, a origem da expressão refere-se à decisão da deusa Atenas (Minerva), que diante do empate, absolveu Orestes, que vingara a morte de seu pai, Agamenon.



23. Estes os fatos e as teses jurídicas. A história real, documentada, que não se consegue contar. De um lado, o poder, as razões de Estado, a perseguição sem fim. De outro, um indivíduo, seus direitos fundamentais, a página virada da história. A partir daqui, cada um formará seu próprio juízo, de acordo com seus valores, suas crenças, seus desejos. Não tenho, nem poderia ter, a pretensão de controlar o pensamento e o sentimento alheio





Migalhas é um Informativo com conteúdo jurídico-político-econômico criado no final de 2000. Circula de segunda a sexta-feira. Por publicar pequenas notas,recebeu o nome Migalhas.

Erradicação da pobreza terá modelo semelhante ao PAC

Inclusão produtiva, ampliação da rede de serviços sociais do governo e a continuação da rede de benefícios. O governo pretende atuar nessas três frentes para erradicar a pobreza no Brasil. O programa de erradicação da extrema pobreza foi discutido, nesta quinta-feira (7), em reunião da presidente Dilma Rousseff com ministros que atuarão no programa.

  A erradicação da pobreza extrema foi uma das principais promessas de campanha de Dilma, e a elaboração de um novo conjunto de medidas para combater a miséria já vinha sendo discutido desde a transição do governo. O governo está trabalhando também na definição de uma linha de pobreza para identificar quem será beneficiado pelo programa.

  Em seu discurso de posse, no dia 1º de janeiro, Dilma reafirmou que o tema está entre os principais compromissos que assumira na campanha e que fazem parte de seu plano de governo. "A luta mais obstinada do meu governo será pela erradicação da pobreza extrema e a criação de oportunidades para todos.", disse Dilma na ocasião. E completou: "Uma expressiva mobilidade social ocorreu nos dois mandatos do Presidente Lula. Mas, ainda existe pobreza a envergonhar nosso país e a impedir nossa afirmação plena como povo desenvolvido. Não vou descansar enquanto houver brasileiros sem alimentos na mesa, enquanto houver famílias no desalento das ruas, enquanto houver crianças pobres abandonadas à própria sorte. O congraçamento das famílias se dá no alimento, na paz e na alegria. E este é o sonho que vou perseguir!"
  Dilma reafirmou que esta não é tarefa isolada de um governo, mas um compromisso a ser abraçado por toda sociedade. E pediu apoio para a causa: "Peço com humildade o apoio das instituições públicas e privadas, de todos os partidos, das entidades empresariais e dos trabalhadores, das universidades, da juventude, de toda a imprensa e de das pessoas de bem".
Modelo do PAC
  Escalada pela presidente para divulgar os resultados da reunião de hoje, a recém-empossada ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, destacou que o novo programa não busca substituir o Bolsa Família, mas se juntar às ações do governo federal já desenvolvidas na área. Segundo ela, o programa deverá ter um modelo de execução e acompanhamento semelhante ao do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
  A ministra disse também que o nome e as metas do novo programa ainda não foram definidos, e que a elaboração desses detalhes será conduzida por um comitê gestor formado pelos ministérios do Desenvolvimento Social, Planejamento, Fazenda e Casa Civil. Além das pastas que fazem parte do comitê gestor do programa, participam como “ministérios parceiros” as pastas da Saúde, Educação, Integração Nacional, Desenvolvimento Agrário e Trabalho. O grupo interministerial terá reuniões periódicas para estruturar o programa e divulgá-lo à sociedade.
  Na conversa com jornalistas realizada no Palácio do Planalto, a ministra apresentou Ana Fonseca, que será a secretária executiva do novo programa. Fonseca, que atuou no governo Lula na elaboração de políticas sociais, disse que sua expectativa é de ampliar a cidadania no País e que os investimentos virão do orçamento já previsto.
Inclusão produtiva
  Campello disse ainda que “recursos adicionais” do Orçamento também ainda não foram definidos, devendo, ser tratados adiante. De concreto, por enquanto, ela destacou apenas a intenção do governo de que o programa se concentre em três frentes: continuidade dos programas de transferência de renda, universalização das redes de serviço, como água e esgoto, e a “inclusão produtiva” da população pobre para que eles deixem de depender do auxílio financeiro – criando empregos, por exemplo.
  “Estamos trabalhando no sentido de universalizar a rede de serviços. Essa é uma expectativa do governo. Não vamos atacar a agenda da pobreza apenas com políticas de transferência de renda. Nossa agenda é de inclusão social e produtiva, de ampliação da rede de serviços públicos, de saneamento, oferta de água, saúde, educação e qualificação profissional”, disse a ministra.
  Sobre o fato de medidas concretas ainda não terem sido anunciadas apesar de o tema já vir sendo discutindo desde a campanha e a transição do governo, Campello disse que quer apresentar o programa “com consistência”, mas afirmou que os estudos nos diversos ministérios já estão em fase avançada. “Vamos organizar, no próximo período, essas metas e trabalhar em reuniões bilaterais. No comitê gestor, vamos organizar o desenho do programa e apresentá-lo à sociedade e aos parceiros estratégicos, entre eles os governos estaduais e municipais”, afirmou Campello.
  A ministra ressaltou, ainda, como já havia sido anunciado anteriormente, que os valores dos benefícios concedidos pelo Bolsa Família vão aumentar, mas não detalhou valores. "O tema não foi tratado na reunião de hoje", afirmou a ministra.
  Participaram da reunião com a presidente Dilma, além da ministra Tereza Campello, os ministros Guido Mantega (Fazenda), Antonio Palocci (Casa Civil), Miriam Belchior (Planejamento), Alexandre Padilha (Saúde), Fernando Bezerra Coelho (Integração Nacional), Fernando Haddad (Edução) e Mário Negromonte (Cidades).



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De Brasília

Com agências