domingo, 6 de outubro de 2013

Petrobras: 60 anos de resistência e vitórias


A Petrobras é uma realização extraordinária da gente brasileira. Sua criação, na década de 50 do século passado, foi vista como manifestação de uma pretensão nacional exagerada, em que poucos acreditavam.

Por Haroldo Lima*, especial para o Portal Vermelho


Petrobras foi criada em 1953 durante o governo de Getúlio Vargas/ Foto: Valor Econômico

Mas ela surgiu impregnada do espírito audacioso de uma grande campanha, chamada de “O petróleo é nosso”, capitaneada pelo Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, presidida pelo general Felicíssimo Cardoso, o “general do petróleo”, “general e comunista”, como ele próprio se definiu.

Ainda era o tempo das “sete irmãs”, as sete petroleiras, cinco americanas, que controlavam praticamente o mundo do petróleo. Nações, almejando independência petrolífera, organizaram estatais, como a Yacimientos Petrolíferos Fiscales, em 1922, na Argentina; a Pemex, em 1938, no México; e a Petrobras, em 1953, no Brasil.

Mas a Petrobras não teria chance de se desenvolver no mercado altamente controlado do petróleo, se não se apoiasse no Brasil, em seu vasto território e numerosa população. Era necessário o Estado brasileiro interpretar essa necessidade e ser firme como foi. Definiu a nova empresa como a executora exclusiva do monopólio estatal de todas as atividades do setor petrolífero, à exceção da distribuição e revenda de combustíveis. Dispensou-lhe de pagar imposto de renda e cobrava-lhe uma pequena alíquota de royaltie, 5%, num contexto em que nem havia a Participação Especial. Atuando assim, durante 44 anos, e contando com a competência e dedicação de seu corpo técnico e de trabalhadores, a Petrobras chegou na década de 1980 a ser o que originariamente era impensável, uma petroleira respeitada a nível mundial.

A Constituinte de 1987/88, no desdobramento da reconquista da democracia no Brasil, teve força suficiente para reafirmar o monopólio do petróleo no Brasil e a Petrobras, como sua executora única.

Mas, logo a seguir, a partir da eleição de Fernando Collor de Mello à Presidência da República, em 1989, a situação política começou a mudar drasticamente. No dia seguinte à sua posse, Collor editou a Medida Provisória 155/90, que veio a se transformar na Lei 8.031, que criou o Programa Nacional de Desestatização. Começariam as privatizações e o neoliberalismo surgia como política de Governo. Pela primeira vez, líderes dessa corrente falavam abertamente em privatizar a Petrobras.

O neoliberalismo em ascensão tentou aproveitar-se da chamada Revisão Constitucional, prevista para 1993/94 e procurou criar uma opinião pública favorável à privatização da estatal. Acionou, por exemplo, a revista Veja que, na edição de 30 de março de 1993, preparou uma matéria de extensão incomum - 10 páginas – apócrifa, cheia de dados inverídicos, para desqualificar a Petrobras. Como a Revisão foi obstruída tenazmente pela esquerda parlamentar, e não deu em nada, a Petrobras e o monopólio se safaram. Isto em 1993.

Fernando Henrique foi eleito Presidente da República em 1994, quando ideias neoliberais cresciam na América Latina. Em fevereiro de 1955, o novo presidente enviou ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional número 6, que propunha o fim da exclusividade da Petrobras no exercício do monopólio do petróleo, ou, como se dizia, o “fim do monopólio”. A privatização da Petrobras não foi abertamente proposta, mas voltava às cogitações. Comentava-se que, após a quebra do monopólio, viria a privatização da estatal. E iniciativas foram tomadas para forjar uma opinião pública favorável. O Sindicato dos Metalúrgicos de S. Paulo, sob direção de simpatizantes do privatismo, em março de 1995, resolveu realizar uma pesquisa sobre a privatização da estatal e concluiu que “62,5% dos entrevistados defenderam a privatização da Petrobras”.

A retirada do exercício do monopólio da União pela Petrobras foi aprovada na Câmara por larga margem. A esquerda votou contra, atenta a que, em seguida, viria a privatização propalada. A batalha passou para o Senado. Uma emenda do senador Ronaldo Cunha Lima (PMDB/PB), que impedia a privatização da estatal, foi rejeitada pelo líder do Governo. A movimentação cresceu. O Presidente do Senado José Sarney condicionou, então, a remessa ao plenário do Projeto da quebra do monopólio, já aprovado na Câmara, a um compromisso, por escrito, do Presidente da República, de que o Governo não encaminharia ao Congresso proposta de privatização da Petrobras. A nove de agosto de 1995 esse compromisso foi assinado.

Assim, o modelo previsto para o setor do petróleo no Brasil, foi derrotado, no final da década de 1990. Previa-se um mercado aberto, com a Petrobras privatizada e a regulação feita por uma Agência. Prevaleceu um mercado aberto, com forte presença de uma estatal, a Petrobras, e a regulação feita por uma Agência, a ANP. Resultou que a ANP terminou sendo a única agência criada para regular um setor onde não houve privatização.

Com o início do primeiro governo do presidente Lula, foram indicadas, para os cargos mais importantes do setor do petróleo, pessoas, não só preparadas para exercê-los, mas sintonizadas com o rumo desenvolvimentista do governo. A Petrobras passou a viver a fase mais promissora de sua vida. Foi ofensiva nos leilões da ANP e aumentou muito o número de blocos em exploração sob sua responsabilidade. Ampliou suas reservas, sua produção, sua distribuição e sua presença no exterior (21 países). A partir de 2004, obteve os maiores lucros de sua história, não ficando com lucro líquido menor que R$4 bilhões em nenhum dos trimestres até o último de 2012, chegando, em quatro deles, a superar R$10 bilhões de reais. Sua produção de petróleo supera os 90% de toda a produção nacional.

No 2º Leilão de blocos exploratórios da ANP, realizado no ano de 2000, a Petrobras, com participações minoritárias da BG e da Petrogal, arrematou o BM-S-11, bloco a ser explorado na bacia de Santos. Em 2007 ela descobriu aí grandes acumulações no horizonte do pré-sal, no prospecto de Tupi, que veio a ser o campo de Lula. A grande descoberta foi conhecida às vésperas da 9ª Rodada, no final de 2007, em tempo do Conselho Nacional de Política Energética, por proposta do então Diretor Geral da ANP, resolver retirar da lista dos blocos que iriam a leilão dentro de 19 dias, 44 blocos situados na mesma província. Nesta região, que voltou a estar liberada para a União e a ser administrada pela ANP, a Agência localizou dois pontos e autorizou a Petrobras a perfurar os poços 2-ANP-1-RJS e 2-ANP-2-RJS, onde foram descobertos Franco e Libra, cada qual com mais de 8 bilhões de barris de petróleo. O governo deliberou ceder Franco à Petrobras, sem licitação prévia, em processo de capitalização submetido a aprovado pelo Congresso. E decidiu encaminhar Libra para ser submetida à licitação, no sistema de partilha da produção, também aprovado pelo Congresso, e que tem obrigatoriamente a Petrobras como operadora.

Na capitalização feita a partir da cessão onerosa de Franco, a Petrobras também registrou um feito memorável: a capitalização, realizada em 24 de setembro de 2010, totalizou R$127 bilhões, o maior volume já atingido por operação deste tipo em todo o mundo, quase o dobro do recorde até então registrado, o dos Correios do Japão.

O processo de capitalização permitiu que se atingisse outro marco importante. Como o preço do barril de Franco foi calculado na base de US$8,5/b, como defendia a ANP e decidiu o presidente Lula (diferentemente dos US$5/b a US$6/b sustentado pela grande mídia), o Estado brasileiro elevou sua participação no capital social da Petrobras de 39% para 49%.

A Petrobras tem demonstrado, hoje, grande capacidade para se afirmar no mundo do petróleo, competindo com congêneres de porte similar, sem necessitar da ajuda do monopólio, inclusive porque, o monopólio, que lhe foi essencial até certa altura, hoje já não o é, e está extinto em todos os países, à exceção do México, que se prepara agora para encerrá-lo.

A Petrobras que completa agora 60 anos de existência é orgulho dos brasileiros.

*Foi Diretor Geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.

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