domingo, 4 de agosto de 2013

Adriano Moura — O artista não é apenas uma vítima na cultura de Campos

“Pra todos ou pra ninguém. Sem privilégios”. Distante do que vê hoje em Campos, esta é a fórmula ideal do escritor, dramaturgo e professor Adriano Moura à cultura do município. Embora com várias críticas a fazer ao modelo implantado pelo garotismo/rosáceo, não só na cultura, mas na educação e na própria política, ele não acha que tenha sido diferente, em nenhum desses setores, nos governos passados dos dissidentes Arnaldo Vianna (PDT) e Alexandre Mocaiber (PSB). Tampouco acha, especificamente na questão cultural, que o poder público municipal seja o único culpado: “O artista não é apenas uma vítima no meio disso tudo”.

Folha Dois – Em texto no facebook, replicado depois no blog do jornalista Ricardo André Vasconcelos (aqui), você escreveu: “O que há em Campos é mais que perseguição a Nelson Rodrigues (…) É estupidez mesmo; é gente burra, despreparada, insensível, cafona, ignorante que, por ser ‘amiguinho’ de A ou B, é indicada para administrar setores aos quais desconhece”. Nos dois pólos dessa “amizade”, a quem você se referiu?
Adriano Moura - A lista é grande, pois não é uma característica apenas deste governo. Não me referi a uma pessoa especificamente nem gostaria de nomeá-las. Atuo em vários segmentos educacionais e artísticos da cidade há mais ou menos vinte anos. No entra e sai de governos é gente assumindo cargos não por competência ou currículo, mas por conveniência política apenas. A Fundação Teatro Trianon já foi presidida por esposa de prefeito só por ser esposa de prefeito. Outras instituições tiveram à frente a filha de “fulano”, a amiga de “sicrano”. Não preciso citar os nomes, porque todos sabem muito bem do que estou falando. A “estupidez” e burrice a que me refiro é essa prática. O que vivemos hoje nada mais é do que a continuidade de uma culturazinha de bairro, onde tudo acaba sendo tratado como um problema doméstico.
Folha – Sua crítica foi feita apenas ao setor cultural, onde atua como escritor, dramaturgo e ator, ou também como educador, onde exerce sua profissão em rede pública e privada?
Adriano – Minha crítica se estende a todos os setores. Precisamos parar de pensar cultura como algo não pertencente ao resto do corpo social. O que afeta o meio artístico está presente nos demais setores. É comum vermos pessoas tendo de chegar quase doze horas antes às filas de postos médicos para conseguir uma consulta. Algumas escolas são administradas por pessoas sem nenhum vínculo com a educação pública; algumas por pessoas até mesmo sem vínculo com educação, como já ocorreu na Escola Albertina em Travessão. Não há bibliotecas estruturadas na maioria dos estabelecimentos de ensino. Não dá para pensar em desenvolvimento educacional sem leitura. O setor cultural sofre a íngua do resto da ferida.
Folha – Em outra parte do mesmo texto, você pareceu mais específico ao afirmar: “Desde 1989 que a cidade vive nessa indigência, na dança das cadeiras dos poderes que insistem em permanecer na República do Chuvisco (…) Enquanto alimentarmos com nossos votos esses ‘zumbis’ viveremos nessa indigência”. A solução ao problema que identifica seria, portanto, cultural, educacional ou política?
Adriano - Por todas essas vertentes. A questão é política, mas não político-partidário apenas. A prova disso é o fato de a cidade, desde 1989, ter tido diferentes dirigentes. O problema é que cada um quer fazer as cosias a sua maneira, ignorando o que deu certo na gestão do outro. Parece que o fato de dar continuidade significaria admitir o acerto do antecessor. Cultura, educação e saúde em Campos estão no meio de uma queda de braços entre dois lutadores. Penso que já passou da hora de abandonarem o ringue; mas isso não vai acontecer porque o prêmio deve ser muito bom. Guardadas as devidas proporções, a administração é conduzida como no tempo dos coronéis ainda. Sempre foi assim e ainda não mudou.
Folha – Em entrevista à Folha Dois, o Artur Gomes bateu forte (aqui) na questão religiosa, denunciada (aqui) como motivo à suposta censura à peça “Bonitinha, mas Ordinária”, de Nelson Rodrigues, no Trianon. Um pouco antes, você questionou (aqui): “Nunca vi artista querendo impor regras a religiosos. Por que religiosos tentam impor regras aos artistas?”. Entre uma coisa e outra, qual o limite? Ele é respeitado em Campos?
Adriano - Depois de tanto bate-boca acabei concluindo que essa história de censura foi uma grande falácia, ou desculpa. Particularmente nunca tive problema com censura religiosa aqui, nem mesmo quando apresentei minha peça “O julgamento de Lúcifer”, que não poupa nenhum segmento religioso. Essa história da censura à peça do Nelson Rodrigues tem um lado positivo, pois suscitou outras discussões importantes para o cenário cultural, mas ficou meio sem explicação, pelo menos para mim. Como diz a “filósofa” minha mãe: “tinha mais caroço nesse angu”, mas ficou por isso mesmo.
Folha – Você, assim como os escritores Antonio Roberto Kapi e Vilmar Rangel, têm batido na tecla da necessidade de implementação real do Fundo Municipal de Cultura (saiba mais aqui), numa tentativa de se conferir independência políticas às manifestações artísticas de Campos. No seu ponto de vista, esse deveria ser o eixo da discussão?
Adriano - O Fundo Municipal de Cultura tiraria o artista da posição de mero pedinte, sempre dependendo de acesso pessoal a quem tem poder para viabilizar os projetos; além de ser um processo mais democrático e transparente. Os artistas teriam de se organizar, criar projetos consistentes para poder usufruir dos benefícios.
Folha – Muitos dos que defendem a política cultural de Rosinha, o fizeram atacando os artistas mobilizados a partir da denúncia de censura à peça de Nelson, alegando que estes só o fizeram por terem perdido a guarida que receberiam no governo Mocaiber. Até onde a reação dos artistas, ou parte dela, pode ter servido para forçar e/ou encarecer a venda do passe à cooptação pública municipal?
Adriano - O artista não é apenas uma vítima no meio disso tudo. Muitos participam da “dança das cadeiras” a que já me referi e dançam conforme a música mesmo. Mas isso se dá devido à dependência político-partidária, financeira e desemprego. Funciona assim: quando quem está no poder é o pessoal do “Arnaldo/Mocaiber”, os vilões são os seguidores de “Rosinha/Garotinho”. Quando quem está no poder são “Rosinha/Garotinho”, os vilões são os seguidores de “Arnaldo/Mocaiber”, e assim segue.
Folha – Como artista, você sempre buscou e conquistou seus espaços por conta própria. Seja pelas cifras bilionárias dos royalties, seja por uma política pensada de cooptação da sociedade civil, seria exagero dizer que o pires na mão estendida à Prefeitura, há algum tempo, dita o comportamento da classe artística, como de várias outras em Campos?
Adriano - Por que Campos não levou tantas pessoas às ruas como em outras cidades de mesmo porte? Tudo aqui gira em torno da Prefeitura. Muitos montam uma banda pra fazer show pra Prefeitura, não fazem peça se a Prefeitura não der dinheiro pra fazer; tem os que abrem  uma firma de limpeza sonhando prestar serviço à Prefeitura; ou vive de olho nos possíveis vencedores da eleição porque quer um emprego na Prefeitura. É bem pequeno o número dos que não dependem da máquina pública. Como é grande a quantidade dos que dependem dela, o silêncio também é maior. Já vendi espetáculos e projetos para Prefeitura, mas todos bancados com recursos próprios ou em parceria com a iniciativa privada. Já vendi idéias, nunca meu voto ou voz. Há um grupo corajoso, que  expõe o que pensa e luta pelo que acredita. Geralmente tem mais dificuldade e acesso. Isso precisa acabar. É outra prática doente de todos esses anos.
Folha – Acredita que os espaços alternativos da cidade, os teatros como o Sesc e o Senai, ou a própria Lei Rouanet, de isenção fiscal das empresas nos investimentos em projetos culturais, são alternativas tentadas pelo menos tentadas pela maioria dos artistas locais, antes de se queixarem da falta de espaço e apoio público do município? Por quê?
Adriano – A Lei Rouanet é um sonho. O empresariado e alguns artistas a desconhecem. As empresas querem retorno imediato, coisa que uma peça teatral sem ator famoso não proporciona. Convencer o empresário a comprar um projeto pelo seu valor estético é complicado, mas não é impossível. Eu já tentei e não consegui. Mas isso não é uma realidade só de Campos. Em grandes centros como Rio e São Paulo têm sido muito difícil concretizar um projeto, mas a coisa não para. Projetos alternativos são apresentados em bares, cafés, galpões, salões de festas, ônibus, etc. Em Campos, posso citar o Giu de Souza, por exemplo, que organiza eventos envolvendo música, literatura, artes plásticas, teatro, etc.  Corre atrás, busca parcerias e trabalha, produz. Esse é um dos caminhos. Protesto, trabalho, produção e lucidez na hora das escolhas.
Folha -  Em contrapartida, a exemplo do que faz nos subsídios públicos às organizações carnavalescas, no Campos Folia, acredita que a Prefeitura não poderia também investir na promoção de eventos anuais de teatro, música e dança, prestigiando os artistas locais e fomentando sua produção?
Adriano - Sempre questionei isso. Se há tanta verba para as agremiações carnavalescas, pras bandas de pagode e axé; por que  não para o teatro? A dança ainda é mais privilegiada. Teatro não. Os festivais ocorrem sem obedecer a um calendário. Tem ano que tem, ano que não tem. Ora é regional, ora nacional, ora apenas estudantil. Como sempre, depende de quem está “mandando”, não de um projeto consistente e com condições de sobreviver às intempéries das mudanças de governo. Voltando: se tem dinheiro pro boi pintadinho desfilar no carnaval, tem de ter também alguma maneira de viabilizar outras formas de expressão. Pra todos ou pra ninguém. Sem privilégios.

Publicado hoje na edição impressa da Folha da Manhã.

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