domingo, 4 de agosto de 2013

Arthur Soffiati — Cultura entre o populismo do poder e o maniqueísmo dos artistas

Mais de uma vez, já disse que o grande barato da lida blogueira é a interatividade imediata com você, leitor, e que suas contribuições na forma de comentários, não raro, acabam sendo tão interessantes quantos as postagens que os geraram. Menos vezes, pelo menos aqui, disse que o grande barato de se ter a formação de autodidata, é poder ter escolhido livremente os seus mestres, no lugar de simplesmente aceitá-los por imposição acadêmica. Em contrapartida, é ruim por ter poucos mestres com os quais se pode conviver, sem a chance de conhecê-los na dimensão humana do cotidiano, posto terem sido em grande maioria distantes em tempo e espaço. Exceção orgulhosa para mim, foi a oportunidade de ter entre eles o professor, escritor e ambientalista Aritides Arthur Soffiati, a quem considero o maior intelectual de fato nesta planície de sombras e pretensões de luz cortada pelo Paraíba do Sul. Com sua licença devida, na relevância maior de post, reproduzo abaixo o comentário feito originalmente aqui, no blog, e aqui, na democracia irrefreável das redes sociais, sobre a entrevista concedida pelo também professor e escritor Adriano Moura, acerca dos rumos e desrumos da cultura goitacá…
Venho acompanhando com atenção toda a polêmica iniciada com a propalada censura da peça “Bonitinha mas ordinária”, de Nelson Rodrigues, pela prefeitura de Campos. Inicialmente, preciso definir que parto de duas premissas para me posicionar. A primeira é a distinção entre vertente patrimonial e vertente da produção cultural. A segunda diz respeito às quatro políticas públicas de cultura segundo Abraham Moles: políticas informal, populista, autoritária e democrática. Claro que elas não podem ser vistas de maneira estanque.
Tive uma experiência de 18 meses como gestor público de cultura e me empenhei em definir uma política democrática de cultura que contemplasse as vertentes patrimonial e da produção cultural. Fracassei não por incompetência, mas por trabalhar com um prefeito que tinha uma visão informal de cultura sem sequer saber que sua visão era essa. Saí sem manchas, até porque recebi apenas dois meses durante os 18 em que tentei algo novo.


A partir de Garotinho, os prefeitos adotaram, todos eles, uma mistura de política populista com autoritária. Populista por fazerem política partidária com a cultura e por verem na cultura uma forma de ganhar dinheiro ilícito. Autoritária por imporem seus padrões de cultura à sociedade.


Por outro lado, concordo com Adriano Moura. Aqueles que trabalham com cultura em nosso município pautam sua atuação de forma medíocre e também partidária. São pessoas que desejam apenas se apresentar como produtores de cultura, sem a preocupação e o empenho de se situarem nos processos culturais. Acham que, para fazer teatro, literatura e outras manifestações culturais, basta apenas o desejo. São pessoas que cortejam o poder e o apóiam se seus projetos foram acolhidos. Fora do poder, criticam os governantes se não são contemplados. Claro que não generalizo porque sempre é injusto colocar todo mundo num mesmo balaio.


Claro também que não espero criadores geniais vivendo em Campos. Os grandes nomes da província foram embora para desenvolver suas vocações. Vejamos José Cândido de Carvalho, Thiers Martins Moreira, José Américo Motta Peçanha, Ivald Granato e Lúcia Laguna, para só mencionar alguns nomes. Essas pessoas guardaram a província em seus corações, mas partiram para outras plagas. Contudo, permanecer na província não exime os criadores culturais de Campos de empreender uma reflexão mais aprofundada sobre sua condição. Neste aspecto, coloco-me como os historiadores neopositivistas, que examinam e julgam as manifestações culturais dentro do seu contexto.


Certa vez, um poeta se aproximou do saudoso Prata Tavares e perguntou o que ele havia achado do seu livro. Prata, na sua sinceridade rude, respondeu: você precisa estudar poesia. Certa vez, um produtor de teatro me disse que eu seria considerado inimigo do teatro se não assistisse à sua peça. Respondi-lhe prontamente que podia me considerar inimigo do teatro.


Em síntese, não estamos diante de um filme em que bandidos e mocinhos são absolutamente distintos e separados. Não gosto da visão maniqueísta dos nossos intelectuais e artistas.



Arthur Soffiati

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