domingo, 25 de agosto de 2013

Ángel E. Pino: O “sonho chinês” em um mundo de pesadelos


Quem visita a China com alguma frequência exclama com assombro e admiração que é um país que muda a cada ano. Modernidade e desenvolvimento marcham aqui com a velocidade do raio, e constituem um fenômeno que vai muito mais além do poder de observação ou da simples percepção do visitante.

Por Ángel E. Pino*


De um dos países mais pobres e atrasados do planeta, o gigante asiático se converteu, em pouco mais de 60 anos, – se se parte do triunfo da revolução socialista em 1949 - na segunda economia mundial (afirma-se que em 2016 pode superar os Estados Unidos como a primeira) e a principal potência comercial.

Mas se se analisa desde o início das reformas econômicas empreendidas por Deng Xiaoping em 1978, quando começou na realidade o grande salto, o período transcorrido se reduz a apenas 35 anos, por demais surpreendente em um mundo dominado pelas guerras, crises econômicas e conflitos sociais.

Comentando sobre esta realidade, Yu Hua, um dos romancistas mais conhecidos dentro e fora da China, afirma que o presente de seu país muda e se acelera sem cessar. Um europeu – disse - teria que viver 400 anos para perceber em seu território uma mudança tão radical.

A China é a nação mais povoada do planeta. Tem as proporções e a diversidade de um grande continente. Constitui, de fato, um conjunto de territórios muito distintos uns dos outros, onde habitam mais de 50 grupos étnicos diferentes.

Existem vastas regiões, incluindo Pequim, sua capital, que poderiam muito bem ser comparadas com países ricos, mas considerado em suas complexidades como um todo, continua sendo –admitem seus dirigentes com singular franqueza - um país em vias de desenvolvimento, onde ainda persistem grandes dificuldades e desafios.

Na China não se veem grupos de meninas e meninos mendigos, paisagem comum nas ruas de muitas das grandes cidades do mundo. Apenas 5 % de uma população de mais de 1,3 bilhão de habitantes apresentam algum tipo de desnutrição, segundo dados das Nações Unidas.

Tampouco se observam os bairros miseráveis que pululam em muitas cidades. Calcula-se que entre 2005 e 2015 um terço dos chineses ocuparão habitações novas, uma cifra respeitável se temos em conta que equivale a quase toda a população da Europa.

No tema da violência, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a China apresenta duas vezes menos homicídios por habitante do que os países desenvolvidos; seis vezes menos do que na Ásia e 20 do que na América Latina.

Uma das maiores prioridades do governo e do Partido Comunista Chinês na atualidade é reduzir a brecha que se criou nos últimos anos, em termos de renda e crescimento, entre ricos e pobres, entre a cidade e o campo.

Segundo Zheng Yao, subsecretária geral da Associação Chinesa para a Compreensão Internacional (CAFIU), este esforço faz parte da luta que seu país desenvolve, em nível de toda a sociedade, por alcançar o “sonho chinês” de construir uma nação forte e próspera que traga a felicidade plena a seu povo.

Zheng falou durante a recepção a um grupo de delegados do Leste da Europa, Europa Central e Cuba que participou, primeiro no seminário “Conhecendo a China” (de 16 a 22 de julho), e depois no “Diálogo de Compreensão e Cooperação 2013” (de 23 a 26 de julho).
Respondendo a perguntas dos visitantes, a representante chinesa disse que a meta é construir uma sociedade razoavelmente próspera e culta, e um país socialista forte, democrático e moderno. O “sonho chinês” – precisou - representa também a aspiração de viver em um mundo de paz e harmonia.

Ambos os eventos foram convocados pela CAFIU e pela Fundação para a Paz e o Desenvolvimento, organizações não governamentais chinesas, voltadas para o objetivo de promover o conhecimento do país e desenvolver a amizade e a colaboração com os demais povos do mundo, incluindo os Estados Unidos e a Europa Ocidental.

Embora não o proclamem, as autoridades são particularmente sensíveis à imagem negativa que os grandes meios de comunicação ocidentais divulgam sobre o país asiático. “Entre a realidade que as pessoas observam e o que se percebe desde o exterior parece haver um abismo”, disse-me um delegado europeu.

Quando a imprensa capitalista fala da situação social na China, o faz em termos sensacionalistas ou só se concentra em temas que podem ser negativos: catástrofes, intoxicações alimentares, suposta agitação social, abortos obrigatórios, problemas ambientais, corrupção, entre outros.

Em seu empenho por fazer o contraponto, as autoridades desenvolvem uma vasta campanha que tem como centro o que eles denominam “diplomacia de povo a povo”, em que as organizações não governamentais (ONGs) e as redes sociais jogam um importante papel.

Ao inaugurar o segmento correspondente ao “Diálogo de Compreensão e Cooperação 2013”, em que participaram quase uma centena de destacadas personalidades de cerca de 20 países, Zhou Tienong, presidente da CAFIU, destacou que o objetivo é “contribuir para a paz global, a estabilidade e a prosperidade”.

“Permitam-nos construir pontes de amizade entre todos os povos do mundo através do conhecimento mútuo, o entendimento e a cooperação”, afirmou.

Durante a conferência, debateu-se amplamente sobre a caótica situação econômica que o mundo enfrenta na atualidade, em consequência no fundamental do fracasso do sistema capitalista mundial, e o contraste do que se vê na China em termos de crescimento, desenvolvimento e modernidade.

O denominado “sonho chinês”, seu significado e alcance, foi um dos temas mais recorrentes, em um contexto em que alguns delegados apresentaram a preocupação com os sinais de desaceleração do crescimento econômico (de 10 a 12 % dos últimos anos a 7 ou 6% que se espera a curto prazo).

Autoridades chinesas que participaram no “Diálogo” descartaram, contudo, que a diminuição do PIB seja um fator de preocupação para o governo de Pequim, agora empenhado em reduzir as desigualdades entre as diferentes regiões do país.

Assinalaram que estão sendo tomadas as medidas preventivas necessárias para estabilizar a situação com taxas de crescimento, não ao nível dos anos anteriores (acima de 10 %), pela crise que afeta a economia mundial, mas razoavelmente altas para não afetar o desenvolvimento do país.

Na opinião de Garth Shelton, professor da Universidade Wits, da África do Sul, a China “já atravessou mais da metade do rio de Deng Xiaoping”, e é previsível que nos próximos 30 anos seu povo chegue definitivamente à outra margem, onde se encontra o nível de bem-estar e prosperidade que sonha.

Shelton, que apresentou uma das intervenções mais interessantes do evento, exortou as autoridades chinesas a incrementar suas relações comerciais com a África que – disse – tem um enorme potencial de crescimento econômico, com taxas que se espera sejam superiores a 5 % do PIB nos próximos anos.

A China já deslocou os Estados Unidos como o principal parceiro comercial nesse continente, mas os países africanos aspiram a investimentos produtivos a mais longo prazo, com maior fluxo de capital, tecnologias mais avançadas e capacitação para as novas gerações.

O acadêmico disse que a África pode compensar, com suas potencialidades, os prejuízos que estão sendo gerados nas exportações chinesas pelo estancamento das economias dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, mergulhadas na mais aguda crise econômica da história do capitalismo.

Com isso – enfatizou – a África estaria contribuindo para o “sonho chinês” e a China com o “sonho africano”, que “em deferentes camas” buscam os mesmos objetivos.

(*) Diretor da revista Tricontinental e membro da delegação da Organização de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América Latina (OSPAAAL) que participou como convidada nos mencionados eventos.

Fonte: Cubadebate; tradução do Blog da Resistência



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