domingo, 18 de agosto de 2013

Ditadura Militar brasileira: Torturado e torturador frente a frente


“Major Jacarandá, nunca é tarde para o senhor se reconciliar com a sociedade e rejeitar o seu passado. Faço-lhe um pedido: diga onde estão os restos mortais do Mário Alves. Tem uma filha  querendo saber”, indagou o advogado José Carlos Tórtima, apontando para Lucia Viera, filha única de Mário Alves. Naquele momento, Tórtima enfrentava muito mais do que um julgamento, enfrentava seu algoz.



Audiência pública realizada em conjunto pelas comissões estadual e nacional da verdade. José Carlos Tórtima, torturado na ditadura, encara seu algoz, Major Jacarandá (de óculos escuros) e dispara: “Nunca é tarde, major, para o senhor se conciliar com essa sociedade ultrajada por essas barbaridades que pessoas como o senhor cometeram.” Foto: Thiago Vilela - Ascom-CNV

Dos quatro militares acusados de envolvimento na morte de Mário Alves, só o major bombeiro Valter da Costa Jacarandá compareceu à audiência pública no Rio de Janeiro, que aconteceu na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Ao sugerir que o Major Jacarandá dissesse onde estariam os restos mortais de Mário Alves, Tórtima se aproximou e fez questão de encarar o torturador. O confronto ocorreu na audiência pública realizada, na quarta-feira (14), pela Comissão da Verdade do Rio, conjuntamente com a Comissão Nacional da Verdade.

O major negou que tenha participado de qualquer episódio envolvendo tortura, mas admitiu que “no calor do interrogatório, excessos foram cometidos”. Posteriormente admitiu que o que classificou de excessos foram torturas de presos políticos.

Ele negou ter qualquer informação sobre o desaparecimento e morte de Mário Alves e disse também que não interrogou o jornalista Álvaro Caldas, uma das sete testemunhas presentes, ao lado de José Luís Saboya, Maria Dalva Leite de Castro, Newton Leão Duarte, Paulo Sérgio Paranhos, Sylvio Renan de Medeiros, além de José Carlos Tórtima, todos ex-presos do Doi-Codi.

Dulene Garcez, comandante do Pelotão de Investigações Criminais (PIC), Luiz Mário Correia Lima, primeiro tenente, e Roberto Duque Estrada, tenente promovido a capitão enquanto servia no Doi-Codi, alegaram que já prestaram esclarecimentos acerca desse fato e já respondem judicialmente pelo sequestro, tortura e morte do líder comunista Mário Alves, em 1970.

“Nós não aceitamos essas considerações e entendemos que, uma vez convocados, eles são obrigados a vir, mesmo que permaneçam em silêncio. Devemos marcar uma próxima data para que eles prestem seu depoimento e, para isso, vamos entrar em contato com o Ministério Público para que, mesmo que de forma coercitiva, eles sejam apresentados, além de, por não terem comparecido hoje, responderem ao crime de desobediência”, destacou o presidente da Comissão da Verdade, Wadih Damous.

Mário Alves foi o primeiro caso confirmado de tortura e morte no Doi-Codi. Ele foi sequestrado em 16 de janeiro de 1970, na Abolição, e levado para o 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca. Ele morreu no dia seguinte aos 46 anos de idade após uma brutal sessão de tortura que durou a noite toda, com choque, pau-de-arara e empalamento, que teria provocado hemorragia e causado a sua morte. A militância política de Mário, que foi um dos fundadores da União Nacional dos Estudantes (UNE) na Bahia, foi lembrada no discurso da filha, Lucia Vieira. “Ele teve uma vida curta, de lutas, inteiramente dedicada ao seu sonho revolucionário. A verdade finalmente está sendo revelada e a história lhe fará justiça”, disse.

Para a coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, Rosa Cardoso, a audiência pública é uma forma de fazer uma profunda reflexão sobre o significado da morte de Mário Alves. "A tortura e a violência não se tornaram práticas anacrônicas no nosso país, por isso a sessão de hoje leva a uma reflexão sobre isso”.

Com informações da Secretaria de Estado Assistência Social e Direitos Humanos


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