domingo, 25 de agosto de 2013

Pensamento neoliberal do PSDB está isolado, afirma João Sicsú

Ao lançar seu livro Dez anos que abalaram o Brasil, o economista João Sicsú visitou a Fundação Maurício Grabois, quando participou de uma conversa. Assista a primeira parte da entrevista com Osvaldo Bertolino, Sérgio Barroso e Joanne Mota, em que o autor diz porque o PSDB está sem alternativa de pensamento político para os próximos anos.


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Sicsú é professor do Instituto de Economia da UFRJ e foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do IPEA entre 2007 e 2011. Por sugestão do jornalista Osvaldo Bertolino, conforme faz em seu livro, o economista mencionou o que vê no retrovisor quando olha para esses dez anos de governo Lula e Dilma. Normalmente, os balanços trazem muitos números e elementos de avanço, de acordo com quem está falando. Sicsú faz sua seleção destacando, principalmente os indicadores de uma melhor distribuição de renda.

“O mais importante é a participação dos salários no PIB. Houve uma queda de 1995 a 2004, mas de 2004 a 2005, até hoje, todos os anos, de forma consecutiva, os salários ocupam um espaço cada vez maior da renda e, portanto, a renda do capital é cada vez menor. Essa é a verdadeira distribuição de renda”, diz ele, citando ainda a redução do desemprego de 12,5% para menos de 6%, o salário mínimo com aumento de mais de 70% em termos reais, o grau de formalização muito elevado em relação ao passado, quando a economia não crescia e, portanto, não gerava emprego com carteira assinada.


Passado neoliberal


No livro, Sicsú estabelece um contraditório entre desenvolvimento e neoliberalismo, coisas que não ocupam o mesmo lugar na economia política. “Superamos grande parte daquela dominância de ideias neoliberais que existiam no período de 1995 a 2002.” Hoje, lembra ele, o país não tem mais um acordo com o FMI, portanto não é orientado por equipes que vêm de fora. Para ele, isso representa um estado de humilhação superado. “Uma equipe do FMI quando vem ao Brasil, faz relatórios sobre a economia brasileira e dá orientações à equipe econômica de um governo que foi eleito”.

Na opinião do economista, superamos a ideia de promover privatizações, particularmente, aquelas de setores estratégicos, como Petrobras, o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, ou seja, o sistema financeiro e energético. “Não realizamos privatizações que possam ser consideradas agressivas à atuação do estado brasileiro”, diz ele, referindo-se à concessões em que o governo continua detentor do controle sobre o setor.

Ele admite que, mesmo dentro destes novos governos, desde 2003, houve durante muito tempo uma orientação neoliberal na política macroeconômica. “Tivemos muitos cargos no governo ocupados por pessoas do governo anterior, que mantinham as mesmas ideias e políticas”. Nesse sentido, diz ele, houve um corte importante, mas que não foi definitivo. “Rejeitamos o passado, em grande parte, mas temos que fortalecer ainda mais o estado brasileiro contratando pessoal qualificado, desmontando algumas instituições, instrumentos e leis que impedem o estado de realizar sua atividade-fim que é ofertar serviço de qualidade, promover a democracia, etc”, aponta ele.

Casa das Garças e dos tucanos

Em síntese, não há um estado e uma hegemonia de pensamento neoliberal na sociedade, em sua opinião. Bertolino questiona em que medida ele considera que há um isolamento do pensamento neoliberal. Sicsú enfatiza que refere-se, basicamente, ao isolamento do pensamento neoliberal que é propagandeado pelo PSDB. Na avaliação do economista, os tucanos perderam muita força, tornando-se inexpressivos. Além do governo de são Paulo, não têm mais peso nacional.

Mas Sicsú observa que o PSDB é muito apoiado pela mídia tradicional conservadora que ajuda a ecoar suas ideias. “Nessa altura do campeonato, quem formula as ideias é essa mídia conservadora, e o PSDB a pratica e a executa”. Mesmo com todo esse aparato de propaganda, ele considera que estão muito isolados.

Sicsú cita, então, o clima gerado pelas manifestações juvenis de junho passado, que embora tenha havido uma tentativa de orientação pela direita, encaminharam-se num sentido oposto daquele desejado pela orientação neoliberal. “Essas manifestações de junho revelaram um sentimento e uma consciência, não anti-estado, do salve-se-quem-puder. A ideia não era de que ‘eu preciso ganhar mais e ter mais salário para ter um plano de saúde e colocar meu filho na escola particular, e para poder comprar o remédio na farmácia’. Não! Foi ‘eu quero gratuidade no remédio, saúde pública, educação de qualidade, transporte público’”, observa ele, com perspicácia.

De acordo com sua análise, a ideia do estado como prestador de serviço para realizar o bem-estar social está presente nas manifestações. “Isso é um enorme isolamento para o PSDB. Eu fico imaginando o que o PSDB tem para apresentar como alternativa, a partir de 2014, se a sociedade está, de forma cada vez mais intensa, pedindo desenvolvimento social, desenvolvimento relacionado com saneamento, segurança pública, saúde e educação. Como se pode atender essa pauta com austeridade, corte de gastos, elevação de taxa de juros, privatizações. Uma coisa não casa com a outra”. É nesse sentido que ele pensa haver um isolamento do “pensamento formulado na Casa das Garças, no Rio de Janeiro”, um pensamento econômico neoliberal do PSDB.

Direito ao consumo

Por outro lado, o pensamento desenvolvimentista da esquerda se expressou na economia brasileira no último decênio, por meio de inversão de prioridades. Muitos economistas avaliam que houve uma mudança do paradigma do crescer primeiro para distribuir depois. Assim como esse modelo, aplicado por décadas no Brasil, sem resultados, foi alterado, a dimensão do “consumo como cidadania” também foi uma noção que avançou nesse período, dando consequência a importantes fenômenos que levaram o país a se tornar menos vulnerável à crise econômica mundial.

Sicsú explica a questão do consumo de forma muito simples. As pessoas têm que ter acesso a bens de consumo, sentencia ele. “Isso não tem nada a ver com o estilo de vida americano, de se ter uma geladeira nova a cada ano. Compra-se no ano seguinte uma geladeira nova e joga-se a do ano passado no lixo. Não tem nada a ver com isso. Tem a ver com o conforto que uma família precisa ter na sua residência”, diz ele, ecoando uma retórica muito direta do presidente Lula, durante seu governo.

O que aconteceu nesses últimos anos, de acordo com o economista, foi a ampliação drástica de domicílios que agora têm geladeira, fogão, televisão, automóvel. “Isso é a realização social do consumo. As pessoas não podem ficar privadas de uma geladeira. As pessoas querem ter, e devem ter, direito a uma vida confortável e o consumo dá essa possibilidade”, explica.

Fonte: Fundação Maurício Grabois

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