sábado, 10 de agosto de 2013

UBM: Elza Campos reforça 25 anos de luta por autonomia


A União Brasileira de Mulheres (UBM) completou 25 anos na terça-feira (6). Em meios aos preparativos das atividades comemorativas, a coordenadora nacional da entidade, Elza Maria Campos, concedeu para oVermelho uma entrevista exclusiva, onde faz um balanço da atuação da organização e um raio-x das políticas públicas adotadas nos últimos 10 anos. Confira a primeira parte neste sábado (10). Amanhã (11), será publicada a segunda e última parte.




Elza Campos durante marcha contra a violência doméstica em março deste ano / foto: Facebook Sara Cavalcanti (ao lado de Elza nesta foto)

Para ela, as bandeiras da mulher trabalhadora, de sua inclusão ao mundo do trabalho com autonomia e igualdade está entre as principais bandeiras da UBM. “A luta pelo trabalho e pela autonomia econômica pode ser conjugada com a autonomia politica, ou seja, a possibilidade das mulheres em participarem dos espaços de poder, seja no mundo do trabalho alçando posições de comando, seja nos sindicatos, nas escolas e universidades e no parlamento. E esta questão da participação politica é fundamental, é a mulher livrar-se da injusta divisão sexual do trabalho e alçar a postos fora do ambiente doméstico”, afirma Elza Campos.

No entanto, para alcançar essa autonomia, é preciso que haja maior engajamento político para que elas possam ocupar os espaços de poder com maior representatividade. Por isso "a bandeira da Reforma Politica é central para nós da UBM e um grande desafio", diz a feminista, que participa na segunda-feira (12) da homenagem que a entidade receberá no Congresso Nacional.

A homenagem é uma iniciativa do Senado Federal, a partir da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), e da Câmara Federal, via mandato da deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG). Ela acontecerá às 10 horas, no Plenarinho do Senado, em Brasília (DF). Dezenas de militantes de todo o país são esperadas.

Confira a entrevista:

Deborah Moreira: Nesses 25 anos de luta, quais as principais bandeiras da União Brasileira de Mulheres?

Elza Campos: Acredito que a principal bandeira da UBM nestes 25 anos de luta seja a luta pelo trabalho, entendendo que esta luta deve ser articulada com a garantia de creches para as crianças e a autonomia da mulher. Essa autonomia conquistada nesse ambiente acaba dando poder para a mulher decidir, por exemplo, se fica ou não com o ex-companheiro em caso de qualquer tipo de violência. Relaciono também essa questão da autonomia econômica à possibilidade das mulheres alcançarem perspectivas de formação e de educação, como o que vem ocorrendo recentemente. As mulheres têm em média, 7,4 anos de estudo, em média, contra 7 anos dos homens, sendo que 34,9% das mulheres possuem 11 anos de estudo ou mais - enquanto que entre os homens esse grau de formação chega a 31%, de acordo com o Pnad 2009.

A luta pelo trabalho e pela autonomia econômica pode ser conjugada com a autonomia politica, ou seja, a possibilidade das mulheres participarem dos espaços de poder, seja no mundo do trabalho alçando posições de comando, seja nos sindicatos, nas escolas e universidades e no parlamento. E esta questão da participação politica é fundamental, é a mulher livrar-se da injusta divisão sexual do trabalho e alçar a postos fora do ambiente doméstico.

Mas a participação das mulheres nesses espaços de poder ainda é restrita?Verdade. Hoje, no marco dos mais de 81 anos do voto feminino, embora sejamos maioria do eleitorado e haja pesquisa demonstrando que a maioria dos brasileiros e das brasileiras (94%) votariam em mulheres, nós representamos apenas 9% da Câmara Federal, menos de 10% nas chefias das prefeituras e em torno de 12% entre vereadores. O que demonstra o quanto precisamos avançar. Então a bandeira da Reforma Politica é central para nós da UBM e um grande desafio. 

Quais outras bandeiras centrais da UBM?

Outro aspecto de grande relevância para as mulheres e que tem sido pauta da UBM, trata-se do da pauta da midia. Hoje os principais meios de comunicação sociais e suas produções (TVs, rádios e impressos) estão sob o poder de menos de 10 famílias. São grupos empresariais e, mais recentemente, grupos religiosos cristãos, que também concentram cargos de representação política no parlamento e no executivo e mantêm estreitas relações com setores conservadores. Muitos destes programas desrespeitam as mulheres, impõem um padrão de comportamento e de beleza, principalmente na TV, reproduzindo estereótipos e preconceitos. Precisamos que a comunicação seja democratizada e que a mulher e os trabalhadores sejam respeitados.

Fotos: Facebook Elza Campos

Quais as principais conquistas da UBM? e quais os principais desafios?

Um grande avanço sem dúvida é a Lei Maria da Penha, conquista de mais de 40 anos de luta, quando o movimento de mulheres destacava “quem ama, não mata não machuca, não maltrata”, uma lei considerada como uma das três maiores leis do mundo, precisa que os serviços como centros de referência, casas abrigo, defensorias públicas, e o atendimento à mulher seja respeito, para tanto é necessário a capacitação dos agentes públicos. A CPMI presidida pela Deputada Federal Jo Moraes, demonstra o quanto estamos distantes das politicas publicas necessarias para o atendimento as mulheres e meninas.

Não poderia deixar de destacar um grande desafio, já apontado aqui, que é a Reforma Politica. A presidenta Dilma lançou a proposta de plebiscito para a Reforma Política, respondendo de forma corajosa aos protestos e atos ocorridos durante o mês de junho. Na medida em que grande parte do sentimento de indignação revelado nas demonstrações massivas do mês de junho volta-se contra o atual sistema político-eleitoral de representação, é coerente a proposição de mudar elementos como financiamento de campanha e instituir voto em lista partidária. Esta luta é abraçada pela UBM desde sua fundação em 1988, pois traz um sentido de trazer mais mulheres aos espaços de decisão política e modifica radicalmente a nossa história que foi e continua sendo integralmente marcada por relações de poder: relações raciais (dominação das pessoas brancas sobre os povos negros e indígenas), relações de gênero (dominação dos homens sobre as mulheres), relações de classe (dominação das pessoas que detêm a propriedade dos meios de produção sobre as que só têm a sua força de trabalho para vender). A reforma politica democrática poderia contribuir de forma significativa para a mudança do quadro que temos hoje em termos de representação das mulheres e dos demais movimentos como o étnico/racial. Atualmente, os movimentos sociais estão unidos para fazer valer o plebiscito popular.

No campo dos direitos sexuais e reprodutivos, tivemos um avanco neste 1º de agosto, com a sanção do PL 01/2013 que protege vitimas de violência sexual pela presidenta Dilma. A afirmação do Estado laico, isto é de um Estado que respeite a todos e todas, independente de credo, cor, raça, ideologia foi fundamental para reafirmar a democracia.

É possível afirmar que a realidade da mulher brasileira melhorou nesses dez anos de governos progressistas? Cite as principais conquistas.Sem dúvida, há uma mudança de fundo em nosso país, a partir da eleição do primeiro presidente operário e de uma mulher de esquerda para o comando do principal posto da República. A mulher brasileira obteve avanços em sua busca por igualdade, que devem ser creditados à persistência de luta das mulheres e de seus movimentos feministas. Entre as conquistas estão a criação no governo Lula, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, a Lei Maria da Penha, como já dito, o Programa Nacional de enfrentamento à Violência contra a Mulher, coordenado pela SPM.

Nos dez anos desde 2013 a participação das mulheres no mercado de trabalho se intensificou, deixando de ser percebida como secundária. Uma conquista fundamental foi a PEC das (os) empregadas (os) domésticas (os), que a nosso ver deverá proteger e ampliar o trabalho das trabalhadoras domésticas em um país cujas relações sociais e culturais remontam ao período colonial e da herança do trabalho escravo.

Também nesse decênio, as trabalhadoras conquistaram o direito à ampliação da licença-maternidade de quatro para seis meses, embora no setor privado os dois meses de licença adicional sejam facultativos.

Devemos mencionar ainda a adoção pelo governo de ações que visam garantir às mulheres o mesmo tratamento dado aos homens. A partir do Programa Pró-equidade de Gênero e Raça, 80 empresas já incorporaram práticas de igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres.

O governo federal também criou o Programa Mulher e Ciência, que desenvolve ações como de gênero e diversidade nas escolas e instituiu o Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero. 
A nomeação de 10 ministras e a indicação de mulheres para funções-chave como a Petrobras, o STF e outros postos demonstram claramente uma mudança de olhar e de governar. No entanto, A inserção das mulheres nas várias instâncias de poder ainda se mostra tímida. 

E agora, a sanção do PL 03/2013 que protege vitimas de exploração sexual. Realmente uma vitória para o movimento feminista e de mulheres.

O que significou a criação da secretaria de política para mulheres com status de ministério?Os movimentos feministas e de mulheres reconhecem como uma grande conquista a criação, ainda no começo do mandato do Presidente Lula, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Este Ministério é fundamental para a elaboração, fiscalização e implementação de políticas públicas para as mulheres, o que tem tido ressonância em diversos outros ministérios uma vez que a política e transversal. É claro que essas conquistas são resultado de longo processo histórico cumulativo de lutas e pressões. Cada vez mais se intensificou o debate sobre a autonomia das mulheres (tanto do ponto de vista pessoal, como econômico, cultural e político), ou seja, a disputa para o exercício de espaços públicos, para romper com a ideia de que nosso papel deveria ficar limitado ao espaço doméstico, para substitui-la pela noção de que o lugar da mulher é o de serem sujeitas de sua própria vida e história, inclusive na intensa participação política.
As lutas travadas por décadas foram também determinantes para que estados e municípios se dispusessem a criar organismos específicos para elaboração e implementação de políticas públicas com recorte de gênero. Neste sentido o papel do Estado é fundamental para garantir que as políticas públicas sejam viabilizadas e um Ministério como a SPM é imprescindível para o combate às desigualdades.

Há retrocessos?
Existe um avanço do conservadorismo em alguns espaços de poder, como no Congresso Nacional, como o projeto de lei (PL 489/07) que estabelece o Estatuto do Nascituro, de autoria do ex-deputado Luiz Bassuma e Miguel Martins (PHS – MG). A cada passo dado rumo à aprovação do Estatuto do Nascituro deve ser visto como ameaça aos direitos das mulheres. Nele, estão reunidas as pautas mais retrógradas e de submissão das mulheres, ostentadas pelo patriarcado e as instituições que o perpetuam, ao longo dos séculos: controle sobre o corpo das mulheres, a institucionalização da violência sexual e o domínio sobre o destino das mulheres.

Precisamos continuar firmes na luta para que propostas retrógradas como essa sejam definitivamente arquivadas e que tenhamos a efetivação do SUS em sua plenitude e a efetivação dos direitos sexuais e direitos reprodutivos.

Precisamos avançar cada vez mais, para que em uma nova sociedade a verdadeira emancipação da mulher ocorra, sociedade esta, erguida e regida pelas mulheres e pelo conjunto dos trabalhadores. Porém, mesmo em uma nova sociedade, será necessário romper com as amarras culturais machistas e patriarcais que impedem a verdadeira emancipação social. Vamos continuar na luta, com coragem, firmeza e muita esperança em nosssas mulheres e em nosso povo para galgar as transformações sociais.

Como foi o processo da Conferência Nacional de Política para Mulheres, também proposta no governo Lula? Ela contribui como instrumento de criação e implantação de políticas públicas para a mulher?
As conferências de Políticas para as Mulheres tiveram forte papel para a mobilização das mulheres negras, indígenas, jovens, brancas em todo o território nacional. Foram realizadas até agora três conferências nacionais. Só a primeira Conferência mobilizou 130 mil mulheres de todo Brasil, que pela primeira vez puderam debater e propor ações efetivas para as suas demandas. Daí foi que nasceu o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e isso é único na história política de nosso país. Elas tem sido importante instrumento de discussão para formular políticas públicas de modo democrático, não tecnocrático. Na última Conferência, realizada em dezembro/2011, que reuniu 3 mil mulheres de todos os cantos do Brasil, representando mais de 200 mil reunidas nas conferências municipais e estaduais, avaliou-se o 2º Plano de Políticas para as Mulheres. 

O que é o Plano Nacional de Políticas para Mulheres? De que forma as políticas e metas contidas no Plano Nacional de Políticas para Mulheres são acompanhadas e fiscalizadas? Qual sua avaliação sobre o andamento desse plano?

O Plano Nacional é um documento norteado por princípios e diretrizes aprovadas nesse acúmulo do último decênio, construído e referendado por 3 Conferências de Políticas para Mulheres. Ele resulta claramente do processo histórico de lutas do movimento feminista e de mulheres no Brasil.
A 3ª Conferência ampliou a perspectiva das políticas públicas reafirmando o papel do Estado, que devem estar pautadas no respeito às diferenças e no enfrentamento e superação das múltiplas desigualdades ainda presentes no Brasil. Cabe ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) a fiscalização e acompanhamento do Plano. Este Plano reflete um amadurecimento dos anteriores, construídos na primeira e segunda conferências. No documento atual ficam reafirmados os princípios orientadores do 2º PNPM: autonomia das mulheres, a busca da igualdade entre homens e mulheres, o respeito à diversidade e combate a todas as formas de discriminação, o caráter laico do Estado, universalidade dos serviços e benefícios ofertados pelo Estado e a participação ativa das mulheres em todas as fases desde o diagnóstico, formulação, controle e avaliação. Julgo da maior importância a conquista de um Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, mas, para sua completa efetivação é preciso que não haja cortes orçamentários, que ocorra a ampliação da participação social e a efetivação do controle social. Temos consciência de que os movimentos sociais – destacadamente o feminista – desempenham papel fundamental na cobrança da materialização do Plano, que vai além de simplesmente revelar as tensões e contradições sociais de cada momento histórico.

A saúde da mulher é contemplada no Plano Nacional? Destaque alguns programas de saúde que deram certo.O terceiro capítulo do Plano é dedicado à saúde da mulher, sob o título “Saúde integral das mulheres, os direitos sexuais e os direitos reprodutivos”. Tendo como centralidade o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Constituição Federal em seu artigo 196, o governo incorpora a visão de direitos sexuais e direitos reprodutivos como parte integrante dos Direitos Humanos. Isso também é fruto da organização e da presença do movimento feminista e de mulheres. Este plano associa as especificidades das relações sociais de gênero, e outras variáveis como raça, etnia, situação de pobreza, orientação sexual, idade.

O projeto do “Estatuto do Nascituro viola direitos humanos e reprodutivos das mulheres, afetando a saúde da mulher na medida em que a Constituição Federal e a lei penal vigente não punem o aborto realizado em casos de risco de vida da gestante e de estupro. O projeto é uma afronta diretamente ao Plano de Atenção Integral à Saúde da Mulher, o Paism. Temos ainda no Brasil altos índices de abortos inseguros, altas taxas de morbidade e mortalidade materna que põe em risco a saúde física e mental, e mesmo a vida, das mulheres. Abortos inseguros são a quarta causa de morte materna no país. Morrem 300 mulheres por ano no Brasil. O que equivale a quase uma mulher por dia. No entanto, além de mortes, temos problemas causados por sequelas. Em média, o SUS realiza 250 mil procedimentos anuais para deter os efeitos de um aborto iniciado pelas mulheres.

O Ministério da Saúde reconhece que 1 milhão de abortos são realizados por ano no Brasil, independente de as legislações disporem apenas que a prática só pode ser realizada em caso de risco de saúde materna ou violência sexual. Temos a frase histórica do movimento de mulheres que diz “A mulher decide, o Estado garante”. O Sistema Ùnico de Saúde, o SUS, deve garantir atendimento integral e de qualidade a todas as mulheres e trabalhadores.

(confira no domingo, 11, a segunda e última parte da entrevista)



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