sábado, 10 de agosto de 2013

Seminário: manifestações apontam rumos para o governo



O presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, participou nesta sexta-feira (9), de manhã, da mesa de abertura do Seminário que analisou as razões e perspectivas das Manifestações de Junho, no Othon Palace Hotel, no Rio de Janeiro.

Por Cezar Xavier, da Fundação Mauricio Grabois


 
 Mesa de abertura do Seminário.
A partir dos elementos radicalizados nos protestos diários que tomaram o país, reunindo milhões de jovens em manifestações com pautas difusas, Rabelo procurou dialogar com os aspectos positivos, apontando para uma nova etapa da conjuntura política, que demanda respostas de outro nível. Renato também apontou para a fragilidade da oposição diante deste cenário.

Embora os prefeitos tivessem assumido os governos recentemente, - no caso de São Paulo, comprometendo-se com um pesado legado de abandono das políticas públicas de mobilidade urbana -, protestos contra o aumento da tarifa de ônibus ganharam uma dimensão inédita, após uma brutal repressão policial, que mobilizou a solidariedade de todo o país. Desde então, governos municipais e estaduais, assim como o Governo Federal foram convocados a responder às demandas sob forte pressão de protestos que paralisaram as cidades. Alguns governos responderam com mais repressão amplificando os efeitos dos protestos, que continuam mais pulverizados, mas organizados e violentos.

A presidenta Dilma Rousseff reagiu de forma a saudar as manifestações e convidar os movimentos sociais ao diálogo. Em cadeia nacional de televisão, a presidenta apresentou um pacto pelos serviços públicos. A resposta inédita e afirmativa do Governo Federal apontando para avanços e conquistas, favoreceu análises otimistas sobre as mobilizações provocando a esquerda a enfrentar o fenômeno como parte da crescente democratização do país, em vez de se intimidar pelas contradições que emergiram das ruas. O saldo foram as reduções de tarifas de transporte coletivo por todo o país, aprovação a toque de caixa de projetos de lei que tramitavam com dificuldade no Congresso, assim como a execução pelo governo de medidas que prometem avançar os serviços públicos.

Renato analisa o processo como a produção de uma nova situação política no país. “O Brasil é outro depois das manifestações”. Ele aponta uma diferença importante que marca essas manifestações, por terem sido encabeçadas pelos jovens das camadas médias brasileiras. “Se não entender isso, não entenderemos muita coisa.”

A análise de Rabelo parte do pressuposto de que, nesses dez anos de governo Lula e Dilma, foram atendidas e respondidas questões da base social da pirâmide. Ele cita o bolsa família, o aumento real do salário mínimo, o crédito abundante para o pequeno produtor rural, o Luz para Todos, o crédito para moradia popular. “Sem falar nos direitos para trabalhadores domésticos, ou seja, milhões que praticamente não tinham direitos,” citou o dirigente comunista.
Se por um lado essa camada média emergente da pobreza quer continuar avançando, por outro tem uma camada média tradicional que, evidentemente, não foi atendida em suas demandas. Rabelo chega a avaliar que, em vez disso, tirou-se privilégios da classe média para atender à base social. “As camadas médias tinham reserva de mercado nas melhores universidades públicas, antes das cotas”, cita ele.

Portanto, há uma percepção nesses setores de que paga-se muito imposto sem serviços públicos de qualidade. Para o comunista, é preciso responder a esses setores com reformas estruturantes, como a reforma tributária.

Rabelo diz que a questão do pacto federativo precisa ser revista para garantir recursos aos municípios, que possam suprir a demanda por serviços públicos de qualidade. “Os municípios estão esquálidos. Isso ainda é muito precário e limitado. Fica para o município uma série de ônus e dificuldades para serem enfrentados principalmente no terreno da saúde”, afirmou. 

Esse acúmulo de questões, de acordo com ele, podem levar os municípios à falência.
Rabelo também alerta para o acirramento do embate político e ideológico gerado pelas manifestações. Ele lembrou o ciclo em que as manifestações são espontâneas num primeiro momento e aproveitando o ambiente democrático no país. “O jovem faz sua tabuleta e vai pra rua, então”. Em seguida, surge a violência que intimida e tem impacto político por parecer que não há governo. “As manifestações são disputadas e a mídia de direita procura direcioná-las”.

A grande mídia, define Rabelo, é um partido político de oposição. “Em São Paulo, corrupção para a mídia é cartel. Mas se fosse o PT ou um partido de esquerda seria um grande escândalo dando nomes aos bois”, denuncia ele. “Precisamos levantar marcos regulatórios para ter, pelo menos, direito de resposta”, diz ele. Rabelo citou a manchete de domingo que ataca o PCdoB, com correção do erro na quarta página, dias depois, sem possibilidade de direito de resposta do partido.

As redes sociais são importantes, de acordo com o comunista, mas não vamos resolver tudo pela internet. “Televisão, rádio, revistas e jornais, ficam com eles, e nós ficamos com a internet. Não somos trouxas”, declarou ele, citando o caso da Venezuela, em que Hugo Chávez criou mecanismos para a esquerda ter voz na mídia, sem calar a oposição.

Rabelo lembrou que, em 2010, as eleições mostraram um país, praticamente, dividido. “A realidade está sendo disputada por aqueles que querem barrar e aqueles que querem avançar nas reformas mais profundas”.

Citando a proposta do Carlos Lupi, ex-ministro do Trabalho pelo PDT, que fez uma autocrítica sobre o afastamento da esquerda das ruas e dos movimentos sociais, Rabelo prefere partir para a ação concreta. “A autocrítica mais importante, pra mim, é a resposta política que temos que dar a isso por meio de uma repactuação política”.

Esta é a nova etapa política que o PCdoB defende estarmos atravessando em termos de Governo Federal. Uma etapa que aponta para a necessidade de avançar em reformas estruturais e democráticas no plano da superestrutura política. Rabelo afirma que questões consideradas prioritárias para o PCdoB, como a reforma política, vieram para a ordem do dia com as manifestações.

Para Rabelo, um pacote político de reformas precisa ter uma identidade de esquerda mais nítida. A busca por uma afinidade de esquerda é fundamental para congregar forças para aprovar essas reformas mais consequentes e profundas.

Esse avanço requer uma luta política mais acirrada com setores dominantes da esfera financeira, pois, “no modelo atual, grande parte dos recursos ficam com eles”. “Quem começou a enfrentar a questão dos juros foi a Dilma. E vejam a reação sobre ela”, disse Rabelo, referindo-se aos ataques da mídia afirmando um suposto descontrole da inflação. 

“Dependemos de grande parte dos recursos desviados para a esfera financeira para avançar nos serviços públicos”, disse, acrescentando que tributar as rendas maiores requer uma luta política intensa.

A repactuação política está na ordem do dia. Rabelo defende que a oportunidade para uma boa reforma política chegou. “Não pode ser uma reforma política fatiada, mudando uma coisinha ou outra para enganar”, disse Rabelo, defendendo a necessidade de uma plataforma comum de reforma política, entre os partidos.

O dirigente comunista defendeu que a oposição está sem alternativa diante das mobilizações. De acordo com ele, tem restringido sua prática a criticar a presidenta, desconstruir e desmoralizar seu governo. “A oposição nessa nova etapa não tem programa para enfrentar as manifestações.”

Rabelo enfatizou as reivindicações que se traduzem por “mais estado, mais serviços públicos de qualidade e mais conquista social universal”, para contrapor com o programa da oposição que se resume a ajuste fiscal, austeridade fiscal, conter gastos e investimentos importantes do estado, como também redução dos investimentos sociais. “É o que a oposição professa quando a fica nua, sem a fumaça da crítica à presidenta. Já andam defendendo que um dos propulsores da inflação é o aumento do salário mínimo.”

“Eles têm que vir à tona e dizer o que querem”, declarou Rabelo. Para ele, isto seria revelador, pois nesta nova etapa das mobilizações sociais, a oposição não tem como responder. “A oposição vem no sentido contrário de mais direitos”, disse. 

“Estamos vivendo uma nova etapa, quem nao entender isso, nao esta entendendo nada”, disse Rabelo, reafirmando a necessidade de mudanças na superestrutura para transformar o país.

Pontos de vista

Em nome das fundações, o presidente da Fundação João Mangabeira (PSB), Carlos Siqueira, abriu o seminário apontando a perplexidade dos atores tradicionais com a novidade das imensas manifestações juvenis que tomaram o país, em junho. Se por um lado, as motivações apareçam de forma complexa e até contraditória, por outro as lacunas a serem preenchidas para atendem à ansiedade da população são evidentes.

Para o socialista, a política econômica do governo está na base das insatisfações, na medida em que transfere os recursos necessários para a oferta de serviços públicos de qualidade para o sistema financeiro, por meio de juros. Siqueira avalia que a demanda por serviços públicos de qualidade revela uma rejeição à agenda do estado mínimo neoliberal, assim como a crítica à democracia representativa demanda uma reforma política que amplie a participação social nas decisões sobre o país.

A recusa ao retrocesso
O presidente nacional do PT, Rui Falcão, também avalia o momento como “grave”. “Não queremos que haja nenhum tipo de retrocesso”, afirmou, apontando um dos temores que marcaram a esquerda política ao observar a infiltração de temas reacionários nas manifestações, a partir de grupelhos fascistas ou tentativa de condução pelas corporações dos meios de comunicação de massa.

Falcão lembrou que a mídia protagonizou um recuo estratégico que chamou a atenção dos manifestantes, ao exigir a repressão violenta por meio de telejornais, mas invertendo a posição, conforme os protestos cresciam e assumiam contornos que poderiam ser direcionados para a direita ideológica. Mas, para o petista, as manifestações não foram relâmpago em céu azul. Para ele, as conquistas dos últimos dez anos abriram campo para novas conquistas, novas reivindicações e direitos.

Se por um lado, a direita teve pouca capacidade de condução do processo, por outro, há uma oposição real que encontra vocalização na mídia oligopolizada. O dirigente petista aponta uma ofensiva da direita, buscando enfraquecer, principalmente, o Governo Central, por meio de alarmes falsos de pânico como a iminência de um apagão, da inflação sem controle, da Copa de futebol que não ocorreria por falta de tempo e um país paralisado pela incompetência do governo.

Falcão afirma as condições concretas que levaram ao desabafo da população contra a baixa qualidade das condições de vida e dos serviços públicos nas cidades. Uma situação que foi amplificada por uma juventude que entra em massa para as universidades, por meio de programas do governo como o Prouni, ao passo que enfrenta as dificuldades cotidianas de locomoção. “A violência da polícia do governo do PSDB até contra quem não participou dos protestos precipitou algo que estava entalado na vida das pessoas”, disse o dirigente.

Falcão admite também que os 50 milhões de brasileiros que ascenderam socialmente não entendem isto como resultado de políticas públicas, como transformações que se deram de forma coletiva, mas como mérito e fruto do esforço pessoal. “É uma fragmentação resultada da hegemonia neoliberal, que conseguiu manter valores enraizados na sociedade, como o reforço do individualismo e das dificuldades de associação”, afirma ele, apontando um desafio de mudança de mentalidade para a esquerda.

Ele acredita que a explicação da mídia oligopolizada de que a perda do controle sobre a inflação era o motor das manifestações caiu por terra, conforme os índices inflacionários foram se reduzindo. Para ele, a juventude é vítima de um toque de recolher nas grandes cidades, por motivos de violência e falta de mobilidade. “Saudamos as demandas progressistas, porque não houve demanda contra a democracia, mas pela ampliação dos direitos sociais e mudanças. Bandeiras que os partidos empunharam e podem continuar empunhando com orgulho”, afirmou, ressaltando que o desfecho do processo continua em aberto, assim como continue em disputa pela mídia oposicionista.

Falcão exemplificou essa parcialidade da imprensa com as manifestações marcadas contra a corrupção nas obras do metrô paulistano. Assim como escolheu o termo “mensalão” com cuidado para amplificar algo que não era pagamento de mensalidades, agora, escolhe-se o termo “cartel” para amenizar os efeitos do crime e dissociá-lo do governo, restringindo o crime às empresas envolvidos e poupando os agentes públicos. “O estado não é abstrato, tem governo e tem responsáveis. Além disso, tem a teoria do domínio do fato e não podem alegar que não sabiam, pois estão no governo desde 1992”, disse, sobre o governo do PSDB, que só é citado no noticiário como um governo que reage com firmeza às acusações.

“Entendemos que, longe de ter medo das manifestações ou condená-las por terem infiltração de direita, temos que apoiar a mobilização para precipitar reformas que são urgentes, mas que pela correlação de forças não se ensejou”, afirmou, citando uma lista de medidas aprovadas a partir de demandas da juventude. “Um mês de manifestações serviu para acelerar medidas que estavam hibernando, há anos”.

Falcão citou ainda um paradoxo que permeou as manifestações, quando a mídia explorou a desqualificação da política como forma de organização da vida social. Uma desvalorização do público diante do privado, em que emerge a valorização do mercado e do pensamento neoliberalismo. “Havia um mal estar nas manifestações contra a mercantilização da vida em sociedade, expressado indiretamente, que não deixa de ser uma certa crítica ao sistema capitalista”, analisa.

Falcão encerrou citando os pactos propostos por Dilma para solução das insatisfações populares. Entre eles, citou o pacto pelo plebiscito da reforma política, a necessidade de uma reforma tributária que taxe as grandes fortunas. “Esse conjunto de reivindicações não cabe no orçamento atual”, afirmou, acrescentando a pauta da democratização da mídia. Os manifestantes se expressaram sobre o assunto ao repudiar a cobertura jornalística da Rede Globo, chegado a incendiar carros de reportagem e cercar prédios da emissora. 

“Tiro o chapéu para o Vermelho [portal do PCdoB] e para o Barão Itararé que são medidas concretas pela democratização da comunicação”, elogiou o petista, informando ainda que o PT está fazendo fortes investimentos em redes sociais. Falcão apontou para a necessidade de mudança na gestão de recursos publicitários do Governo. Ele lembrou que os meios impressos estão quebrados, mas ganham sobrevida com os recursos dos governos e empresas públicas.

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