Autor(es): Luiz Pinguelli Rosa
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Jornal O Globo - 25/02/2013
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A
partir de agora, atividades acadêmicas e científicas nas universidades
federais deverão seguir uma cartilha com 122 prescrições burocráticas da
Controladoria-Geral da União (CGU) e do Ministério da Educação (MEC).
"A
revolução dos bichos" ("Animal farm", no título original), sátira de
George Orwell ao stalinismo por trair a revolução socialista, tinha
também uma cartilha, com sete mandamentos: tudo o que ande sobre duas
pernas é inimigo; tudo o que ande sobre quatro pernas ou tenha asas é
amigo; nenhum animal usará roupas; nenhum animal dormirá em cama; nenhum
animal beberá álcool; nenhum animal matará outro animal; todos os
animais são iguais.
Há
contradição, arbitrariedades, burocracia idiota, moralismo hipócrita e
pontos éticos e corretos. Embora ficção, essa cartilha é paradigmática.
Na
cartilha da CGU e do MEC, há contradições e interpretações que
confrontam a Constituição. Se a cartilha for seguida à risca, nenhum
professor em dedicação exclusiva poderá possuir ações de empresas, nem
mesmo da Petrobras ou do Banco do Brasil, o que é um absurdo. Também não
poderá participar de sociedade privada, logo os pesquisadores terão que
abdicar de sociedades científicas, como a SBPC, e de outras, como o
Clube de Engenharia. O item 11, por exemplo, limita a autonomia
universitária listando leis e decretos e omitindo artigos da
Constituição. Outros itens tratam colegiados acadêmicos como
corporativos e ameaçam seus membros. O objetivo é incutir o medo que
costuma paralisar as pessoas.
Alguns
auditores da CGU, articulados com elementos da Procuradoria da
República no Rio, promoveram acusações a Aloísio Teixeira e Carlos Levi,
ex-reitor e atual reitor da UFRJ, respectivamente, e a outros colegas
da reitoria (No fim da década de 1960, existiram, na UFRJ, os atingidos
pelo AI-5. Agora, haverá os atingidos pelos órgãos de controle,
especialmente o professor Geraldo Nunes, que o relatório da CGU demite,
sem existir um processo específico contra ele na UFRJ e sem passar pelos
colegiados.) As acusações foram refutadas na sua essência pelo Conselho
Universitário. Aloísio faleceu. Teve em vida reconhecimento, além de
acadêmico, pela posição democrática coerente desde a oposição de
esquerda à ditadura. Levi, um dos criadores do LabOceano, o primeiro do
moderno Parque Tecnológico da UFRJ, foi inocentado pelo colegiado da
própria CGU de acusações sem pé nem cabeça: comprovou-se que os recursos
foram gastos em obras e atividades acadêmicas por meio da Fundação José
Bonifácio, da universidade.
Infelizmente,
para a mentalidade conservadora e juridicista que entrava o serviço
público, tudo o que moderniza a gestão do Estado é inimigo, até mesmo as
fundações de apoio, criadas por lei com esse propósito. Por sua vez,
tudo o que segue o caminho mais complicado e demorado é amigo: para
seguir as regras da cartilha, doentes podem morrer sem remédios e
estudantes podem ficar sem laboratórios. Querem até licitar a folha de
pagamento da UFRJ, feita há décadas por meio do Banco do Brasil! A quem
serve isso? A algum grande banco. Isso combate a corrupção ou a
estimula?
São
muitas as proibições que estimulam o imobilismo e a indolência, pois
qualquer iniciativa acadêmica pode violar algo. O deputado Chico Alencar
contou 3,7 milhões de leis "no país da cultura bacharelesca". Uma
denúncia anônima mentirosa - disparada como um míssil por um inimigo
pessoal - pode levar um colega sério a ser alvo de perseguição kafkiana.
Em outro livro de Orwell, "1984", um terrível personagem, o Big
Brother, de algum lugar vigia todos e os pune. Seu famoso bordão - "Big
Brother está observando você" - chegou a inspirar o programa televisivo.
Por razões ideológicas ou midiáticas, problemas administrativos
sanáveis viram escândalos. Podem ser refutados na Justiça, mas advogados
saem caro.
Dar
aulas cumprindo o expediente é uma obrigação que deve ser cobrada de
todos os docentes. Aliás, não há nada sobre isso na cartilha. É o
mínimo, mas é preciso fazer mais: envolver os estudantes, criar coisas
novas, ajudar a mudar o Brasil em benefício do seu povo e a compreender o
mundo contemporâneo na cultura, nas artes, na ciência e na tecnologia. A
quem interessa acabar isso?
Em
1925, Einstein esteve na UFRJ: na Escola Politécnica e no Museu
Nacional, fundados por Dom João VI. Fizeram parte da UFRJ Darcy Ribeiro,
José Leite Lopes, Maria Yedda Linhares, Eulália Lobo e Milton Santos
(atingidos pelo AI-5), César Lattes, Carlos Chagas e Clementino Fraga. A
Coppe, criada por Alberto Luiz Coimbra, que este ano comemora 50 anos
de pós-graduação e pesquisa de engenharia, recebeu Noam Chomsky, os
ganhadores do Nobel Carlo Rubbia e Joseph Rotblat e brasileiros ilustres
como Oscar Niemeyer e os presidentes Dilma e Lula. Projetos com
empresas realizados por meio da Fundação Coppetec foram citados como
referência pelos ministros Mercadante e Raupp em visitas recentes. Nada
disso exime a UFRJ do controle externo, mas é preciso haver respeito à
autonomia. Oferecer um almoço na visita de Einstein à universidade hoje
poderia ser considerado um ato ilícito, segundo a cartilha.
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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013
Um almoço para Einstein
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