Boletim do MST RIO – N. 46 – 1 de fevereiro de 2013 – Especial Cícero Guedes
Amigas e amigos,
Jamais imaginamos que o primeiro boletim de 2013 tivesse de ser assim. Mas não há de ser com tristeza quem iremos lembrar do nosso grande companheiro Cícero. Neste boletim, procuramos juntar um pouco do aprendizado que ele nos deixa, para que sigamos nos inspirando em sua força. É nosso dever lembrar e passar adiante a intransigência que Cícero tinha na luta contra o latifúndio. Da mesma forma, sua defesa incondicional da agroecologia deve servir de exemplo para cada militante se inspirar.
Esperamos que esta edição especial do nosso boletim seja alegre, firme e coerente com história do amigo Cícero, para que não fiquemos nem sequer um minuto em silêncio, e para que a ele possamos dedicar toda a nossa vida de luta.
História
A história de vida de Cícero impressiona. Pai de cinco filhos, o alagoano começou a trabalhar aos 8 anos como cortador de cana em situação análoga à escravidão. Para fugir das condições desumanas de sua terra natal, ele migra para o Rio de Janeiro mas, sem alternativas, volta ao canavial para trabalhar novamente em situação semelhante à escravidão. Cícero e sua família só conseguem se libertar dessa situação quando o MST começa a se organizar na região para ocupar a primeira fazenda improdutiva em 1996. Seis anos depois de viver embaixo da lona preta, ele garante seu lote de terra no maior assentamento do estado, o Zumbi dos Palmares. “Cícero foi vítima do trabalho escravo no nordeste do país e em Campos. Quando o movimento chega, ele se envolve na ocupação Zumbi dos Palmares. Mas depois ele vira um grande militante encampando a bandeira da reforma agrária para todos neste país. Solidário, ele queria terra para todos, não queria só para ele”, disse a professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Ana Costa, do Comitê Popular de Erradicação do Trabalho Escravo, do qual Cícero também fazia parte.Referência em agroecologia, Cícero extrapolava os limites do assentamento e compartilhava seus conhecimentos da lida com os professores e estudantes da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e da UFF. Não era raro ele participar de atividades na universidade, nem mesmo estudantes passarem as tardes conhecendo o assentamento e em especial a produção do seu pedaço de terra. “Se a universidade brasileira pretender ter o mínimo de papel transformador na realidade, ela tem que entender que fora dos caminhos formais há possibilidade de acumulação do conhecimento também e, muitas vezes, esse conhecimento se prova tão ou mais importante que o produzido na academia. Cícero era uma prova viva disso. Ele era uma pessoa inteligente, capaz de evoluir e causar evolução porque os estudantes que se aproximaram dele se beneficiaram muito e saíram pessoas mais conscientes do limite dos seus conhecimentos formais”.
Cícero acompanhava todas as áreas que estavam na luta pela terra na região de Campos. Ele atuava nos diversos assentamentos e era responsável pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal. Na ocupação de Cambahyba, ele planejou todo o processo de organização das famílias. Cícero também era organizador e entusiasta das Feiras da Reforma Agrária do MST que acontecem no Largo da Carioca, no centro do Rio, com a venda de verduras e frutas livres de agrotóxicos. “Realizar mais feiras é um desafio e desafio é pra ser cumprido. Tudo pra nós é desafio, estamos acostumados com essa situação. Esse negócio de veneno é uma babaquice desses filhos da puta. O capitalismo é cruel e devasta tudo. Não tem esse negócio de remédio, é veneno mesmo e veneno mata”, dizia. O assassinato de Cícero repercutiu internacionalmente. O MST do Rio de Janeiro recebeu notas de solidariedade de partidos, organizações, movimentos e sindicatos de Moçambique, Espanha, México, Guatemala, Chile, Argentina, Costa Rica, entre outros.
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