Caros
colegas, desde aquele domingo em que fomos todos surpreendidos pela
matéria do Fantástico com denúncias de desvios de dinheiro pela UFRJ,
fiquei achando que devia fazer alguma coisa. Mas tudo foi meio
contornado e semi resolvido a não ser pelo Professor Geraldo Nunes, que
foi demitido. Conheço Geraldo há muitos anos, sei da competência dele,
tive vários convênios internacionais articulados impecavelmente por ele,
além de ser um parceiro antigo do Programa que coordeno, o PACC-UFRJ,
no FCC. Assim, fiquei particularmente tocada quando soube de sua
demissão. E senti a necessidade de uma conversa para saber o que de fato
tinha ocorrido e porque só ele havia sido penalizado de forma tão
pesada e radical. Como sei que muitos de nós gostariam de entender
melhor e ouvir sua versão dos fatos em viva voz, senti a necessidade de
compartilhar com todos minha conversa com Geraldo num café da zona sul
da cidade. Segue a transcrição da conversa.
Heloisa Buarque de Hollanda - Professora Emérita da UFRJ
Heloisa:
Estes últimos dias têm sido de informações cruzadas, notícias sempre
incompletas, encontros com advogados, abaixo assinados, mas nada que
ponha os devidos pingos nos iis. Afinal o que foi que aconteceu?
GERALDO
– O que aconteceu foi um processo contra a Reitoria e, no caso, também
contra mim que é sobre o que você está perguntando no momento. Os fatos
alegados no processo são relativos a serviços prestados ao Gabinete do
Reitor pela empresa da qual sou sócio. Na época precisava-se de uma
série de suportes para o setor de convênio em Relações Internacionais
que coordeno, como serviços de
informática para construção de um site, serviços e material de
divulgação, etc. Como se tratava de uma situação de emergência, aquela
coisa da universidade que entrava burocraticamente no meio de
urgências, me pediram uma nota da minha empresa Turbulência para cobrir
estes gastos porque não havia outra alternativa naquele momento para
pagamento desses serviços. Aí a firma deu a nota.
HELOISA: Foi pedido exatamente o quê?
GERALDO – Foram pedidas duas notas para efetuar o pagamento desses serviços.
HELOISA: Que serviços?
GERALDO – Serviços de elaboração de site, manutenção de site, traduções, divulgação. Não me lembro de tudo detalhadamente porque isso foi do início de outubro de 2007 até março de 2008.
HELOISA: Os serviços foram feitos por você ou por sua empresa?
GERALDO – Não, não. Eu não sei fazer esse tipo de serviço... Os serviços foram realizados por prestadores de serviços.
HELOISA: Então esse dinheiro foi um dinheiro apenas repassado pela Turbulência?
GERALDO
– Claro, foi apenas um repasse. Foi uma solução emergencial para pagar
todo mundo que tinha que ser pago. O dinheiro entrou na conta e saiu
imediatamente.
Foi o que a gente chama, numa linguagem mais jurídica, uma operação pro bono.
Não ficou um tostão na empresa. Naturalmente a empresa, como é uma
empresa regular, legal, de domicílio fixo, CNPJ fixo, pagou os impostos,
naturalmente. Mas deduzidos os impostos, a empresa não ficou com nada, é
só olhar o saldo.
HELOISA: essa operação foi aprovada formalmente?
GERALDO
– Claro! Foi pedida pelo gabinete, com a anuência do Reitor e aprovada
pelo ordenador de despesa, foi cumprido todo o processo de aprovação.
Tanto é que se não fosse assim eu não podia ter feito, porque eu não sou
ordenador de despesa...
HELOISA: Por que você não arranjou outra empresa para fazer esse repasse?
GERALDO
– Porque não dava tempo. Não dava tempo, e mesmo que desse tempo, ia
ser dez vezes mais caro. As empresas cobram alto pelo repasse.
HELOISA: E isso é comum na universidade?
GERALDO
– Se isso é comum na universidade? É muito simples: se não houver isto
dentro da universidade, a universidade não funciona.
HELOISA: O que fazer para evitar esse tipo de procedimento que acaba queimando todo mundo?
GERALDO
– Acho que, isso sinceramente, o que deveria ser feito seria
profissionalizar a universidade, nós somos amadores em todos os níveis.
Se nós fossemos profissionais, tínhamos um staff profissional de
técnicos , funcionários especializados e, quando necessário, formas
mais racionais de terceirização. Basta ver a quantidade de obras na
universidade que estão hoje paradas, por quê?
HELOISA: Esses entraves são da própria legislação?
GERALDO
– São também. No nosso caso, para agilizar esses procedimentos
necessários criamos fundações de apoio. Mas essas fundações acabaram
sendo engessadas também. Nesse próprio episódio em questão foi isso. Os
recursos do Banco do Brasil foram repassado para a FUJB. E uma das
acusações que caem em cima do reitor, enfim dos responsáveis, dos
ordenadores de despesa, é que a FUJB é uma instituição de direito
privado. E que não poderia ter repassado esse dinheiro. Ora, a FUJB
existe exatamente para isso.
HELOISA:
Estou na UFRJ há mais de 50 anos e reconheço que é praticamente
impossível trabalhar dentro das normas kafkinianas que são impostas. O
que aconteceu com você, poderia ter acontecido literalmente com qualquer
um de nós que desenvolvemos projeto dentro da Universidade. Então
sinto o seu caso como um caso exemplar para se repensar as normas
administrativas a que somos sujeitos quando queremos trabalhar nem que
seja minimamente...
GERALDO
Sem dúvida. Profissionalizar esse processo de internacionalização na
universidade foi um trabalho hercúleo. Criei o setor em 1994, na gestão
do Paulo Gomes. Fiz todos os convênios e projetos de relações
internacionais para a UFRJ sozinho com a ajuda de somente duas pessoas. E
quando eu voltei em 2003, a convite do Aloisio, o setor tinha crescido
de duas ... para três pessoas. Estamos em 2013 e ainda não consegui uma
mesa para sentar, nem computador para trabalhar.
HELOISA:
eu queria saber porque de todos os acusados você foi o único seriamente
penalizado. Entre vinte e sete mil reais e cinquenta milhões....
GERALDO
–O problema é que os cinquenta milhões não foram considerados como
desvio do dinheiro público. A CGU viu, verificou e avaliou que o
dinheiro foi efetivamente usado dentro da universidade, que os recursos
foram aplicados para o bem da universidade,
HELOISA: Mas os seus vinte e sete mil reais também foram aplicados na universidade.
GERALDO
– Os malditos R$ 27.100,00 fazem parte desses cinquenta milhões. Tanto é
que tem um amigo que fez a conta, é 0,054% desse valor. O problema é
que a acusação que recai sobre mim é que eles dizem que eu utilizei esse
dinheiro para beneficio próprio porque sou sócio da empresa que deu a
nota. Fui acusado de ser gerente que é quem, por lei, não poderia dar a
nota, só que não sou gerente da Turbulência. Sou sócio cotista, o que é
estar dentro da lei, não tem problema nenhum. Mas eles me acusam de
ter, primeiro, intermediado o serviço. Não fui eu que pedi para fazer
isso. Foi pedido de dentro do gabinete e aprovado pelo ordenador porque
na época justamente considerava-se que o dinheiro não era público, que
não tinha que ser vinculado à conta única, poderia passar pela FUJB, e
portanto teria uma maior flexibilidade de utilização. E isto foi a
orientação que me foi dada. E eu aceitei.
Então... Aliás é o que diz também esse colega nosso “Pô
o sujeito que quer roubar qualquer quantia, ele não vai dar o nome da
empresa dele, o endereço da casa dele, aonde ele mora, com tudo legal, e
para roubar R$ 27.100,00.” Só se ele for burro, só se ele for muito burro.
HELOISA: Burro você não deixou de ser dando essa nota ...
GERALDO
– Aceitei a fazer essa intermediação por pressa. E por ingenuidade. E
porque eu queria que o trabalho fosse feito e porque a gente precisava
daquilo, estávamos num momento no qual o setor de Relações
Internacionais estava crescendo. E eu estava preparando o curso de
capacitação para funcionário de Relações Internacionais em Brasília,
montando todo um esquema para responder aos editais da CAPES e outros
programas com os quais a gente trabalha até hoje. Ganhamos oitenta e
cinco bolsas benefiando funcionários e 2008 para cá. Pela primeira vez
mandamos um técnico administrativo, para o exterior, para fazer dois
meses de estágio na Universidade de Lisboa
HELOISA: E o que você acha de ser demitido por conta disso?
GERALDO
– Bom, para mim a minha vida acaba. Me sinto no corredor da morte por
enquanto, sem saber se eu vou para um lado ou se vou para o outro. É
terrível você ficar sem chão, sem nada, porque eu perco o salário e a
aposentadoria. Eu não sou proprietário, eu pago aluguel. Se meu salário
for cortado, eu tenho que ir para a rua ou ir fazer greve de fome na
porta da Reitoria.
HELOISA: É meio kafkiano ser demitido assim...
GERALDO
– É uma história kafkiana. Até agora não entendi. A única coisa que eu
entendi é que a demissão é por conta do fato de que, no parecer da CGU,
eu sou julgado como se eu fosse gerente da empresa, que eu não sou. Esse
seria um fato que justificaria a demissão. Mas não sou gerente. O
outro é que o dinheiro foi para o meu uso próprio, que eu me beneficiei
do cargo para uso próprio. O que também não foi. E tem a terceira, que é
uma acusação de improbidade administrativa porque, segundo o parecer,
pelas minhas atribuições no cargo, eu deveria ter feito os trabalhos que
estavam me pedindo. Estou então esclarecendo no recurso que nunca fui
engenheiro de sistema, que eu não entendo nada de internet, que eu não
entendo nada de divulgação institucional, e que mesmo que entendesse não
daria tempo, porque ia ter que parar tudo, porque éramos só quatro
dentro do setor.
HELOISA: Você já foi demitido?
GERALDO
– Virtualmente sim, mas estou entrando com um recurso essa semana. É um
recurso com efeito suspensivo. É encaminhado à CGU, se ela aceitar,
tudo bem, eu volto para a folha e tal, vai ser revisto o processo e etc.
Se não for aceito, eu saio da folha imediatamente, aí eu tenho que
entrar com uma liminar na justiça. Para pedir a reintegração.
HELOISA: o que você acha que a universidade pode fazer por você, agora, para ajudar?
GERALDO
– O que está acontecendo comigo pode acontecer com qualquer um de nós,
isso é importante lembrar. Para me ajudar acho que a universidade tem
que primeiro, se organizar internamente para manifestar confiança na
minha idoneidade e me apoiar contra as diversas instâncias que estão
pedindo minha demissão. Os Conselhos de Centro, os decanos de centro, o
CONSUNI e a Reitoria, sobretudo a Reitoria, precisam se manifestar nesse
apoio. Porque a verdade é que é a Reitoria que conhece o meu trabalho.
Então a Reitoria, através do CONSUNI, através dos diversos órgãos
colegiados, tem que mostrar que acompanhou todo esse processo. Seria
importante que os órgãos representativos e a Reitoria se manifestassem
atestando minha idoneidade. .
FONTE: INTNET
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