Emiliano: o crime organizado se organiza no PiG (*)
Redação Conversa Afiada
Publicado em 09/04/2012
Reproduzido do Viomundo, do Azenha:
O partido mídia e o crime organizado
por Emiliano José, deputado federal do PT-Bahia, via e-mail
Algumas análises sobre a velha mídia
brasileira, aquela concentrada em poucas famílias, de natureza
monopolista, e que se pretende dona do discurso e da interpretação sobre
o Brasil, pecam por ingenuidade. Pretendem conhecer sua atuação
orientando-se pelos cânones e técnicas do jornalismo, como se ela se
guiasse por isso, como se olhasse os fatos com honestidade, como se
adotasse os critérios de noticiabilidade, como se recusasse relações
promíscuas com suas fontes, como se olhasse os fatos pelos vários lados,
como se recusasse uma visão partidarizada da cobertura.
Essa velha mídia não pode ser
entendida pelos caminhos da teoria do jornalismo, sequer por aquela
trilha dos manuais de redação que ela própria edita, e que se seguida
possibilitaria uma cobertura minimamente honesta. Ela abandonou o
jornalismo há muito tempo, e se dedica a uma atividade partidária
incessante. Por partidária se entenda, aqui, no sentido largo da
palavra, uma instância que defende uma política, uma noção de Brasil,
sempre ao lado dos privilégios das classes mais abastadas. Nisso, ela
nunca vacilou ao longo da história e nem cabe recapitular. Portanto, as
clássicas teorias do jornalismo não podem dar conta da atividade de
nossa velha mídia.
Volto ao assunto para tratar da
pauta que envolveu o senador Demóstenes Torres e o chefe de quadrilha
Carlinhos Cachoeira. É possível adotar uma atitude de surpresa diante do
acontecido? Ao menos, no mínimo, pode a revista VEJA declarar-se
estupefata diante do que foi revelado nas últimas horas? Tudo,
absolutamente tudo, quanto ao envolvimento de Carlinhos Cachoeira no
mundo do crime era de conhecimento de VEJA. Melhor: era desse mundo que
ela desfrutava ao montar o que lhe interessava para atacar um projeto
político. Quando caiu o senador Demóstenes Torres, caiu a galinha dos
ovos de ouro.
“Esqueçam o Policarpo”. Está certo,
certíssimo, o jornalista Luis Nassif quando propõe que se esqueça o
jornalista Policarpo Júnior que, com os mais de duzentos telefonemas
trocados com Cachoeira, evidenciou uma relação profunda, vá lá, com sua
fonte, e se ponha na frente da cena o, vá lá, editor Roberto Civita.
Este, como se sabe, constitui o
principal dirigente do partido midiático contrário ao projeto político
que se iniciou em 2003, quando Lula assume. Policarpo Júnior apenas e
tão somente, embora sem nenhuma inocência, cumpria ordens de seu chefe.
Agora, que será importante conhecer o conteúdo desses 200 e tantos
telefonemas do Policarpo Júnior com Cachoeira, isso será. Até para saber
que grampos foram encomendados por VEJA ao crime organizado.
Nassif dá uma grande contribuição à
história recente do jornalismo ao fornecer um impressionante elenco de
matérias publicadas por VEJA nos últimos anos, eivadas de suposições,
sem qualquer consistência, trabalhadas em associação com o crime. Civita
nunca escondeu a sua posição contra o PT e seus aliados. É um militante
aplicado da extrema-direita no Brasil, e que se dedica, também,
subsidiariamente, a combater os demais governos reformistas,
progressistas e de esquerda da América Latina.
Importante, como análise política, é
que o resto da mídia sempre embarcou – e com gosto – no roteiro, na
pauta, que a revista VEJA construía. Portava-se, não me canso de dizer,
como partido político. Não adianta escamotear essa realidade da mídia no
Brasil. O restante da velha mídia não queria checar, olhar os fatos com
alguma honestidade. Não. Era só fazer a suíte daquilo que VEJA
indicava. Esse era um procedimento usual dos jornalões e das grandes
redes de tevê.
Barack Obama, ao se referir à rede
Fox News, ligada a Rupert Murdoch, chamou-a também de partido político, e
tirou-a de sua agenda de entrevistas. Não é novidade que se conceitue a
mídia, ou grande parte dela, como partido político conservador. Pode
lembrar Gramsci como precursor dessa noção, ou, mais recentemente,
Octavio Ianni que a chamava de Príncipe Eletrônico. No Brasil,
inegavelmente, essa condição se escancara. A velha mídia brasileira
sequer disfarça. Despreza, como já se disse, os mais elementares
procedimentos e técnicas do bom jornalismo.
Na decisão da Justiça Federal em
Goiás, ressalta-se, quase que com assombro, os “estreitos contatos da
quadrilha com alguns jornalistas para a divulgação de conteúdo capaz de
favorecer os interesses do crime”. Esses contatos, insista-se, não podem
pressupor inocência por parte da mídia, muito menos da revista VEJA
que, como comprovado, privava da mais absoluta intimidade com o crime
organizado por Carlinhos Cachoeira e o senador Demóstenes Torres dada à
identidade de propósitos.
Esse episódio, ainda em andamento,
deve muito, do ponto de vista jornalístico, a tantos blogs
progressistas, como o de Luis Nassif (vejam “Esqueçam Policarpo: o chefe
é Roberto Civita”); o de Eduardo Guimarães, Blog da Cidadania (vejam
“Leia a espantosa decisão judicial sobre a Operação Monte Carlo”); o
Portal Carta Maior (leiam artigo de Maria Inês Nassif, “O caso
Demóstenes Torres e as raposas no galinheiro”); o Blog do Jorge Furtado
(“Demóstenes, ora veja”), o Vi o Mundo, do Azenha, entre os que acessei.
Resta, ainda, destacar a revista
CartaCapital que, com matéria de Leandro Fortes, na semana que se
iniciou no dia 2 de abril, furou todas as demais revistas ao evidenciar a
captura do governo de Marconi Perillo pelo crime organizado de
Demóstenes Torres e Carlinhos Cachoeira. Em Goiânia, toda a edição da
revista foi comprada aos lotes por estranhos clientes, ninguém sabe a
mando de quem – será que dá para desconfiar?
A VEJA enfiou a viola no saco. Veio
de “O mistério renovado do Santo Sudário”, tão aplicada no conhecimento
dos caminhos do cristianismo, preferindo dar apenas uma chamadinha na
primeira página sobre “Os áudios que complicam Demóstenes” e,
internamente, mostrar uma matéria insossa, sem nenhuma novidade, com a
tentativa, também, de fazer uma vacina para inocentar o editor de
Brasília, Policarpo Júnior. Como podia ela aprofundar o assunto se está
metida até o pescoço com Demóstenes Torres e Carlinhos Cachoeira?
Impunidade do crime jornalístico
Há algumas perguntas que pairam no
ar. O jornalismo pode ser praticado dessa maneira, em associação
explícita com o crime organizado, sem que nada aconteça aos que assim
procedem? Por menos do que isso, a rede de Rupert Murdoch, na
Inglaterra, enfrenta problemas sérios com a Justiça, houve prisões, e
seu mais importante semanário, o News of the World, que tinha 168 anos, e
era tão popular quanto desacreditado, fechou.
E aqui? O que se fará? A lei não
prevê nada para uma revista associada havia anos com criminosos de alto
coturno? Creio que se reclamam providências do Ministério Público e,
também, das associações profissionais e sindicais do jornalismo.
Conivência com isso, não dá. Assim, o crime compensaria, como compensou
nesse caso durante anos.
Há, ainda, outra questão, e de
grande importância e que a velha mídia ignorou solenemente, e este foi
um trabalho realizado primeiro pelo jornalista Marco Damiani, do Portal
247, e completado, de modo brilhante, pelo jornalista Paulo Henrique
Amorim, evidenciando a atuação do crime organizado de Demóstenes Torres e
Carlinhos Cachoeira na construção do que ficou conhecido como Mensalão.
A entrevista com Ernani de Paula
(ex-prefeito de Anápolis) feita por Paulo Henrique Amorim é
impressionante. Ele fora derrubado da Prefeitura numa articulação que
envolveu a dupla criminosa, e agora revela o que sabe, e diz que tudo o
que se armou contra o ex-chefe da Casa Civil do primeiro governo Lula,
José Dirceu, e contra o governo Lula, decorreu da ação consciente e
criminosa de Carlinhos Cachoeira, que se insurgia contra um veto de José
Dirceu à assunção de Demóstenes Torres ao cargo de Secretário Nacional
de Justiça do governo, depois que ele se passasse para o PMDB.
Em qualquer país do mundo que
tivesse um jornalismo minimamente comprometido com critérios de
noticiabilidade, ainda mais diante do possível julgamento do processo
denominado Mensalão, ele entraria fundo no assunto para que as coisas se
esclarecessem. Mas, nada. Silêncio.
É
como se a velha mídia tivesse medo de que a construção da cena midiática
em torno do assunto, construção que tem muito de fantasiosa e é
obviamente contaminada por objetivos políticos, pudesse ser
profundamente alterada com tais revelações e, inclusive, ter reflexos no
julgamento que se avizinha. Melhor deixar isso confinado aos “blogs
sujos” e às poucas publicações que se dedicam ao jornalismo. A verdade,
no entanto, começa a surgir. Nós não precisamos mais do que dela, como
dizia Gramsci. Insistamos nela. Se persistirmos, ela se imporá. Apesar
do velho partido midiático.
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