domingo, 30 de outubro de 2011

Equívocos no debate sobre royalties


O posicionamento dos parlamentares dos estados não-produtores de petróleo sobre a repartição dos royalties têm se baseado, hegemonicamente, em pressupostos equivocados. Por Mauro Osório da Silva*
O primeiro deles, que o Estado do Rio de Janeiro possuiria uma alta carga tributária, podendo abrir mão, para estados "mais pobres", de uma parcela dos recursos atualmente recebidos com os royalties. Isso não é fato. Os dados oficiais demonstram que 21 estados brasileiros possuem uma carga tributária maior que a do Estado do Rio. Um dos fatores que leva à baixa carga tributária do Rio de Janeiro é o fato de o ICMS relativo à extração de petróleo ser cobrado no "destino" e não na "origem", não gerando, assim, receita para o estado. Além disso, a extração do petróleo infla o PIB fluminense, diminuindo a participação do Rio no Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Outro pressuposto equivocado é que incentivos fiscais concedidos pelo Estado do Rio de Janeiro teriam gerado, como consequência, uma péssima evolução da receita de ICMS, no cenário federativo, entre 1996 e 2010. Isso não procede. A baixa evolução da receita de ICMS do estado derivou da péssima evolução da indústria de transformação e da economia fluminense como um todo. Por exemplo, entre 1996 e 2010, o crescimento da indústria de transformação no Estado do Rio de Janeiro foi de apenas 1,3%, contra um crescimento no Brasil e nos estados de Minas Gerais e São Paulo de, respectivamente, 35,8%; 41,1%; e 41,9%, de acordo com dados do IBGE.
Outro pressuposto equivocado é que os municípios fluminenses receberiam muitos recursos e gastariam mal. Na verdade, os municípios do Estado do Rio que recebem uma soma significativa de recursos são a exceção e não a regra. Em um ranking da receita pública municipal de todos os municípios da Região Sudeste, com base em dados do Finanças do Brasil (Finbra), do Ministério da Fazenda, verifica-se que, entre os 25 municípios com maior receita pública per capita, estão apenas quatro do Estado do Rio de Janeiro: Quissamã; Macaé; Porto Real e Carapebus - sendo que Porto Real não deriva a sua receita centralmente dos royalties.
Um último pressuposto equivocado, citado na mídia pelo senador Vital do Rêgo, é que, do ponto de vista econômico e social, o Rio estaria em situação privilegiada, atualmente, no cenário federativo. Na verdade, o conjunto dos dados mostra que, após décadas de degradação econômica e social, de fato o Rio melhorou significativamente, mas apenas "encostou" na trajetória nacional.
O Cadastro Geral de Empregos de Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Empregado, mostra, por exemplo, que o emprego formal no estado do Rio de Janeiro cresceu, nos últimos doze meses, 6,3%, contra um crescimento no total do país de 5,9%.
Além disso, se os megaeventos geram, por um lado, investimentos federais, por outro, compromissos de contrapartidas regionais. Some-se a isso o fato de as décadas de perda de participação do Estado do Rio de Janeiro na economia brasileira e de particular degradação da máquina pública no âmbito regional terem gerado importantes passivos a serem superados. Quando são analisados, por exemplo, os resultados da educação básica nos municípios das periferias das Regiões Metropolitanas do Rio, São Paulo e Minas Gerais, vê-se, através de dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que todos os piores resultados estão na periferia da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Acredito que no debate dos royalties deve-se ter em conta, também, que a tradição do Rio não é de buscar privilégios, mas sim de ter uma preocupação com a reflexão nacional. Nesses longos 50 anos, desde a transferência da capital para Brasília, o Rio pouco reivindicou e pouco recebeu. Dessa forma, se o alerta em relação à injustiça federativa contida no projeto aprovado pelo Senado é muitas vezes veemente, é pelas graves consequências, não para um eventual governo do estado ou dos 92 municípios fluminenses, mas, sim, para a população. É importante, pois, haver um chamamento para uma análise rigorosa e justa, do ponto de vista federativo, dos dados de fato em jogo.
*Economista e professor da Faculdade Nacional de Direito, da UFRJ
Artigo publicado no jornal O Globo (24/10/2011)

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