O posicionamento dos parlamentares dos estados
não-produtores de petróleo sobre a repartição dos royalties têm
se baseado, hegemonicamente, em pressupostos equivocados. Por Mauro
Osório da Silva*
O primeiro deles, que o Estado do Rio de Janeiro
possuiria uma alta carga tributária, podendo abrir mão, para
estados "mais pobres", de uma parcela dos recursos
atualmente recebidos com os royalties. Isso não é fato. Os dados
oficiais demonstram que 21 estados brasileiros possuem uma carga
tributária maior que a do Estado do Rio. Um dos fatores que leva à
baixa carga tributária do Rio de Janeiro é o fato de o ICMS
relativo à extração de petróleo ser cobrado no "destino"
e não na "origem", não gerando, assim, receita para o
estado. Além disso, a extração do petróleo infla o PIB
fluminense, diminuindo a participação do Rio no Fundo de
Participação dos Estados (FPE).
Outro pressuposto equivocado é que incentivos
fiscais concedidos pelo Estado do Rio de Janeiro teriam gerado, como
consequência, uma péssima evolução da receita de ICMS, no cenário
federativo, entre 1996 e 2010. Isso não procede. A baixa evolução
da receita de ICMS do estado derivou da péssima evolução da
indústria de transformação e da economia fluminense como um todo.
Por exemplo, entre 1996 e 2010, o crescimento da indústria de
transformação no Estado do Rio de Janeiro foi de apenas 1,3%,
contra um crescimento no Brasil e nos estados de Minas Gerais e São
Paulo de, respectivamente, 35,8%; 41,1%; e 41,9%, de acordo com dados
do IBGE.
Outro pressuposto equivocado é que os municípios
fluminenses receberiam muitos recursos e gastariam mal. Na verdade,
os municípios do Estado do Rio que recebem uma soma significativa de
recursos são a exceção e não a regra. Em um ranking da receita
pública municipal de todos os municípios da Região Sudeste, com
base em dados do Finanças do Brasil (Finbra), do Ministério da
Fazenda, verifica-se que, entre os 25 municípios com maior receita
pública per capita, estão apenas quatro do Estado do Rio de
Janeiro: Quissamã; Macaé; Porto Real e Carapebus - sendo que Porto
Real não deriva a sua receita centralmente dos royalties.
Um último pressuposto equivocado, citado na mídia
pelo senador Vital do Rêgo, é que, do ponto de vista econômico e
social, o Rio estaria em situação privilegiada, atualmente, no
cenário federativo. Na verdade, o conjunto dos dados mostra que,
após décadas de degradação econômica e social, de fato o Rio
melhorou significativamente, mas apenas "encostou" na
trajetória nacional.
O Cadastro Geral de Empregos de Desempregados
(Caged), do Ministério do Trabalho e Empregado, mostra, por exemplo,
que o emprego formal no estado do Rio de Janeiro cresceu, nos últimos
doze meses, 6,3%, contra um crescimento no total do país de 5,9%.
Além disso, se os megaeventos geram, por um lado,
investimentos federais, por outro, compromissos de contrapartidas
regionais. Some-se a isso o fato de as décadas de perda de
participação do Estado do Rio de Janeiro na economia brasileira e
de particular degradação da máquina pública no âmbito regional
terem gerado importantes passivos a serem superados. Quando são
analisados, por exemplo, os resultados da educação básica nos
municípios das periferias das Regiões Metropolitanas do Rio, São
Paulo e Minas Gerais, vê-se, através de dados do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que todos os piores
resultados estão na periferia da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro.
Acredito que no debate dos royalties deve-se ter
em conta, também, que a tradição do Rio não é de buscar
privilégios, mas sim de ter uma preocupação com a reflexão
nacional. Nesses longos 50 anos, desde a transferência da capital
para Brasília, o Rio pouco reivindicou e pouco recebeu. Dessa forma,
se o alerta em relação à injustiça federativa contida no projeto
aprovado pelo Senado é muitas vezes veemente, é pelas graves
consequências, não para um eventual governo do estado ou dos 92
municípios fluminenses, mas, sim, para a população. É importante,
pois, haver um chamamento para uma análise rigorosa e justa, do
ponto de vista federativo, dos dados de fato em jogo.
*Economista e professor da Faculdade Nacional de
Direito, da UFRJ
Artigo publicado no jornal O Globo (24/10/2011)
Artigo publicado no jornal O Globo (24/10/2011)
Nenhum comentário:
Postar um comentário