Dez anos depois da Rio 92, outra conferência
semelhante, promovida pela ONU, ocorreu em Johannesburgo, África do
Sul, em 2002, para avaliar os resultados obtidos a partir dos
compromissos acertados no começo da década de 1990. Ela concluiu
que os avanços foram tímidos, se não quase nulos. Mas ressaltou,
entre eles, duas conquistas incontestáveis: o incremento do
arcabouço legal, com legislações avançadas como a Lei dos Crimes
Ambientais. e a maior conscientização social sobre a gravidade das
agressões ao meio ambiente.
José Carlos Ruy
No Brasil, um exemplo dessa tomada de consciência
foi revelado por uma pesquisa feita em 2000 pelo Instituto Vox
Populi, a pedido de entidades ambientalistas para conhecer a opinião
dos brasileiros já então sobre mudanças no Código Florestal: 45%
dos entrevistados aprovaram a taxa de 20% de desmatamento permitido
na Amazônia; um ano depois, quando a pesquisa foi repetida, essa
aprovação caiu para 37%. Em 2000, 88% dos entrevistados disseram
que não votariam em deputados que defendessem o desmatamento das
florestas brasileiras; em 2001, esse índice subiu para 94%.
A questão do desenvolvimento sustentável, porém,
permanecia aberta. Segundo José Eli da Veira, para a expressão não
se tornar mera retórica era preciso que as sociedades contemporâneas
assumissem 12 grandes desafios. "Quatro decorrem de destruições
ou perdas dos recursos naturais: habitat, fontes protéicas,
biodiversidade e solos. Três batem em limites naturais: energia,
água doce e capacidade fotossintética. Outros três resultam de
artifícios nocivos: químicos tóxicos, espécies alienígenas e
gases de efeito estufa ou danosos à camada de ozônio. E os dois
últimos concernem às próprias populações humanas: seu
crescimento e suas aspirações de consumo".
São problemas reais. No início do século 21, a
questão ambiental continuava grave e as saídas para ela ainda não
haviam sido encontradas. E não havia, no horizonte, uma saída para
o conflito entre os países industrializados, com alto nível de
desenvolvimento, e os países pobres, que buscavam uma agenda para
seu próprio progresso e defendem o direito ao desenvolvimento. Mas
alguns avanços podiam ser registrados, como revelou a reunião do
IPCC (Painel Intergovernamental para a Mudança Climática; IPCC, na
sigla em inglês), promovido ela ONU no início de maio de 2007, em
Bangcoc (Tailândia). Nela foi feita uma série de recomendações
sobre a necessidade da mudança da matriz energética no mundo, com o
uso menor de combustíveis fósseis (petróleo e carvão) e a
valorizaçao de alternativas limpas (biocombustível, energia eólica
e mesmo nuclear); o controle do desmatamento; a modernização da
indústria, do transporte e da agricultura, para que poluam menos;
mais energia solar e uma construção civil mais racional, e menos
uso de ar condicionado. Lá foi debatida a divisão do corte nas
emissões dos gases nocivos, o custo dessas medidas, num quadro de
enfrentamento entre os países ricos e os países pobres cujo pano de
fundo são as relações assimétricas, de poder e de dominação,
entre os países industrializados e ricos, e os demais. A previsão
lá apresentada é de que mais de dois terços do aumento das
emissões, até 2030, poderá ocorrer nos países pobres, mesmo que
elas fiquem abaixo do nível per capita dos países ricos: em 2004,
os ricos tinham apenas 20% da população mundial, mas eram
responsáveis por quase metade (46%) das emissões. Cálculos
apresentados pelos chineses mostraram que em 2030 as emissões per
capita dos países ricos representarão entre 9,6 e 15,1 toneladas de
carbono por habitante; nos países pobres estes níveis serão muito
inferiores, ficando entre 2,8 a 5,1 toneladas por habitante. Outros
números eloquentes dizem respeito à matriz energética: os países
ricos têem apenas 3% de energia limpa; os países pobres tem o
dobro: 6%. E o Brasil, neste quesito, é campeão: 45% da energia
aqui produzida é limpa, de oligem hidrelétrica.
O custo da limpeza foi considerado "pequeno"
pelo especialistas reunidos em Bangcoc: para manter o aumento da
temperatura abaixo de 2 graus até o final do século (em relação à
temperatura média de dois séculos e meio atrás, na época da
revolução industrial), nível considerado aceitável, os governos
precisarão fazer investimentos que poderão chegar a 2% do PIB
mundial (o que dá cerca de 862 bilhões de dólares, praticamente o
PIB do Brasil), ou entre 0,1% a 0,2% do PIB mundial por ano (entre 19
a 38 bilhões de dólares), até aquela data.
Este é o alto preço da voragem capitalista, que
- nas relações assimétricas de poder e dominação que se mantém
no mundo moderno - continuava impondo seus custos a toda a
humanidade, como assinalou o estudioso francês Philippe Paraire (no
ensaio "Os mortos vivos da globalização", in
Gilles Perrault (org), O livro negro do capitalismo, de
1995, publicado no Brasil em 1999).
Paraire encara a crise ecológica como uma crise
social e produto de um sistema no qual a abundância não pode ser
compartilhada. "Para assegurar o nível de conforto de 20% da
humanidade, é necessário hoje desviar as produções de cereais do
mundo pobre, derrubar suas florestas, destruir seus modos de vida
tradicionais, deportar os camponeses expropriados ou arruinados para
as favelas da América Latina, para os bairros fechados do sul da
Ásia, para os arredores de Manila, para as favelas de Dacar; é
preciso organizar um mercado de matérias primas baseado na rapina
que lança na extrema miséria bilhões de seres humanos".
Os números que ele registra indicam a dimensão
dos problemas que decorrem da ganância capitalista: em 1998, as 200
maiores empresas internacionais controlavam 80% da produção mundial
agrícola e industrial e 70% dos serviços e das trocas comerciais do
planeta. Isto é, controlavam mais de dois terços dos 25 trilhões
de dólares que representavam o produto bruto mundial naquele ano.
Essa "organização desigual do mundo interfere com os
equilíbrios físicos, químicos e biológicos", diz ele. Vale a
pena transcrever suas observações, que fazem um diagnóstico agudo
das conseqüências nefastas da exploração capitalista sobre o
planeta. "Os solos não estão destruídos pelos adubos químicos
e pelos pesticidas, mas pelas estratégias comerciais iníquas das
empresas agro-alimentares internacionais". "A floresta arde
na Amazônia, na África e na Indonésia porque os camponeses
miseráveis expulsos das suas terras procuram sobreviver em culturas
itinerantes, mas especialmente porque esta ou aquela cadeia de fast
food européia ou americana, este ou aquele truste
agroalimentar, decidiu instalar ali uma fazenda gigantesca ou uma
plantação de bananas destinada a produzir para exportar para os
países ricos." "As crianças subnutridas definham e morrem
na África enquanto as classe médias dos países ricos não sabem
mais o que inventar para perder seus quilos a mais". E conclui,
de forma incisiva dizendo que "a substância mais poluente do
planeta é a desigualdade", que "destrói o planeta impondo
favelas, pilhando o capital verde dos países pobres que, à falta de
dinheiro, não podem fazer nada além de pagar a sua dívida com a
natureza".
Isto é, a degradação ambiental continuou tal
qual era antes de os holofotes se voltarem ao problema. Na verdade,
ela agravou-se e o século 21 começou com uma pauta marcada pelas
mesmas questões, como poluição ambiental, destruição das
florestas, ameaça de extinção de espécies animais, risco de
esgotamento dos recursos hídricos e aquecimento global do planeta,
agora aguzidadas e afetando todo o planeta como resultado da
convivência conflituosa entre a ação globalizada das grandes
empresas capitalistas e a preservação da natureza.
Nesse sentido, ainda era a arte que dava os
melhores exemplos da compreensão humana - e de suas limitações -
sobre as condições naturais, sociais e econômicas de sua
existência. Ao contrário do otimismo do segundo Fausto, o
filme O Dia Depois de Amanhã, de 2004, de Roland Emmerich,
via de forma aterradora o futuro da humanidade. Nele, o aquecimento
global gera uma nova era glacial e quase todo o hemisfério norte é
subitamente congelado, destruindo formas de vida prósperas na Europa
e nos EUA. Nova Iorque, a capital financeira do mundo, desaparece sob
a invasão do mar, debaixo de uma colossal camada de gelo, e as
populações do norte são obrigadas a deixar seus bens e
propriedades e buscar refúgio em países pobres do sul, onde existe
calor e condições para a vida.
Mefistófeles tinha razão: essa é a mensagem.
Que também pode ser lida de outra maneira: não é o planeta que
chega a seus limites e está ameaçado, mas um sistema social e uma
forma de produção esbanjadora de recursos, predatória e
destrutiva. E a ideologia ambientalista poderá ficar conhecida, no
futuro, como o pensamento que, numa época de mudança histórica
profunda, olhava para o passado.
(A versão inicial deste texto foi publicada em
Retrato do Brasil, segunda edição, 2006 - ele será
publicado aqui, revisado, em seis partes).
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