domingo, 11 de março de 2012

Islândia. Já não é notícia por quê?


Data: 25/01/2012
Autor: Deena Stryker

 
À medida que um país europeu atrás do outro atinge ou fica próximo de atingir a bancarrota, pondo em perigo o Euro e com repercussões para o
mundo inteiro, a última coisa que os poderes em questão querem é que a Islândia se torne um exemplo. Eis a razão:
Cinco anos de um regime puramente neoliberal fizeram da Islândia (população de 320 mil habitantes, sem Exército) um dos mais ricos
países do mundo. Em 2003 todos os bancos do país foram privatizados e, num esforço para atrair o investimento estrangeiro, passaram a
oferecer serviços on-line, cujos custos reduzidos lhes permitiram oferecer taxas internas de rendibilidade relativamente elevadas. Estas
contas, designadas "IceSave", atraíram muitos pequenos investidores ingleses e holandeses. Mas, à medida que os investimentos cresciam,
também a dívida externa dos bancos aumentava.
 
 Em 2003, a dívida islandesa equivalia a 200 vezes o seu PIB e, em 2007, era de 900%. A crise financeira de 2008 foi o golpe de
misericórdia. Os três principais bancos islandeses, o Landbanki, o Kapthing e o Glitnir caíram e foram nacionalizados, enquanto o Kroner
perdeu 85% do seu valor em relação ao Euro. No final do ano, a Islândia declarou a bancarrota.
Ao contrário do que se poderia esperar, da crise resultou que os islandeses recuperaram os seus direitos soberanos, através de um
processo de democracia participativa directa, que acabou por conduzir a uma nova Constituição. Mas só depois de muito sofrimento.
Geir Haarde, primeiro-ministro de um governo de coligação social-democrata, negociou um empréstimo de dois milhões e cem mil
dólares, ao qual os países nórdicos acrescentaram mais dois milhões e meio. Mas a comunidade financeira internacional pressionou a Islândia
a impor medidas drásticas. O FMI e a União Europeia quiseram apoderar-se da sua dívida, alegando que este era o único caminho para
que o país pudesse pagar à Holanda e ao Reino Unido, que haviam prometido reembolsar os seus cidadãos.
Os protestos e as revoltas continuaram, acabando por forçar o governo a demitir-se. As eleições foram antecipadas para Abril de 2009,
resultando numa coligação de esquerda, que condenou o sistema económico neoliberal, mas logo cedeu às exigências daquele, de acordo
com as quais a Islândia deveria pagar um total de três milhões e meio de Euros.
 
 Isto exigia que cada cidadão islandês pagasse 100 euros por mês (cerca de US $ 130) por quinze anos, a juros de 5,5%, para pagar uma
dívida contraída por particulares perante particulares. Foi a gota de água que fez transbordar o copo.
O que aconteceu depois foi extraordinário. A crença de que os cidadãos tinham que pagar pelos erros de um monopólio financeiro, que uma nação
inteira deveria ser tributada para pagar dívidas privadas caiu por terra, transformando a relação entre os cidadãos e suas instituições
políticas, e acabando por trazer os líderes da Islândia para o mesmo lado dos seus eleitores. O Chefe de Estado, Olafur Ragnar Grímsson,
recusou-se a ratificar a lei que teria feito os cidadãos da Islândia responsáveis pelas dívidas seus banqueiros, e aceitou o repto para um
referendo.
 
 É claro que isto apenas fez com que a comunidade internacional aumentasse a pressão sobre a Islândia. O Reino Unido e a Holanda
ameaçaram com represálias terríveis, que isolariam o país. Quando os islandeses foram a votos, os banqueiros estrangeiros ameaçaram
bloquear qualquer ajuda do FMI. O governo britânico ameaçou congelar poupanças islandesas e contas correntes. Como afirmou Grimsson:
"Foi-nos dito que, se recusássemos as condições da comunidade internacional, nos tornaríamos na Cuba do Norte. Mas, se tivéssemos
aceitado, ter-nos-íamos tornado antes no Haiti do Norte." (Quantas vezes escrevi que quando os cubanos olham para os problemas do seu
vizinho, o Haiti, consideram que têm sorte.) No referendo de Março de 2010, 93% dos islandeses votou contra o
pagamento da dívida. O FMI imediatamente congelou o seu empréstimo. Mas a revolução (apesar de não ter sido transmitida nos EUA), não se
deixaria intimidar. Com o apoio de uma cidadania em fúria, o governo colocou sob investigações civis e penais os responsáveis pela crise
financeira. A Interpol lançou um mandado internacional de captura para o ex-presidente do Kaupthing, Sigurdur Einarsson, à medida que outros
banqueiros envolvidos no crash fugiram do país.
 
 Mas os islandeses não pararam por aí: decidiram elaborar uma nova constituição que iria libertar o país do poder exagerado da finança
internacional e do dinheiro virtual. (A que vigorava havia sido escrita quando a Islândia ganhou sua independência à Dinamarca, em
1918, sendo que a única diferença relativamente à Constituição Dinamarquesa a de que a palavra "presidente" a palavra substituiu a
palavra "rei".) Para escrever a nova constituição, o povo da Islândia elegeu 25 cidadãos, de entre 522 adultos que não pertenciam a nenhum partido
político, mas recomendados por pelo menos trinta cidadãos. Este documento não foi obra de um punhado de políticos, mas foi escrito na
Internet. Reuniões da Constituinte são transmitidas on-line, e os cidadãos podem enviar os seus comentários e sugestões, vendo o
documento tomar forma. A Constituição que resultará deste processo participativo e democrático será submetida ao Parlamento para
aprovação depois das próximas eleições.
 
 Alguns leitores lembrar-se-ão de que a crise agrícola da Islândia do século 9 foi tratada no livro de Jared Diamond que tem esse nome.
Hoje, esse país está a recuperar do colapso financeiro de forma exactamente oposta àquela geralmente considerada inevitável, como foi
confirmado ontem pela nova presidente do FMI, Christine Lagarde, a Fareed Zakaria. Foi dito ao povo da Grécia que a privatização de seu
sector público é a única solução. Os povos da Itália, da Espanha e de Portugal enfrentam a mesma ameaça.
 
Estes povos devem olhar para a Islândia. Recusando curvar-se perante os interesses estrangeiros, este pequeno país afirmou, alto e a bom
som, que o povo é soberano.
 
 É por isso que já não aparece nas notícias.
 
* Deena Stryker é jornalista

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