20/2/2012 16:19, Por Frei Betto - Correio do Brasil
Característica lamentável em nossas universidades, hoje, é a falta de sinergia. Carecem de projeto pedagógico estratégico. Não se perguntam que categoria de profissionais querem formar, com que objetivos, de acordo com quais parâmetros éticos.
Ora,quando não se faz tal indagação é o sistema neoliberal, centrado no paradigma do mercado, que impõe a resposta. Não há neutralidade. Se o limbo foi, há pouco, abolido da doutrina católica, no campo dos saberes ele nunca teve lugar.
Um cristão acredita nos dogmas de sua Igreja. Mas é no mínimo ingênuo, senão ridículo, como assinala o filósofo Hilton Japiassu, um mestre ou pesquisador acadêmico crer no propalado dogma da imaculada concepção da neutralidade científica.
Em que medida nossas instituições de ensino superior são verdadeiramente universidades, ou seja, se regem por uma direção, um enfoque dialógico, um projeto pedagógico estratégico? Ou se restringem a formar profissionais qualificados destituídos de espírito crítico, voltados a anabolizar o sistema de apropriação privada de riquezas em detrimento de direitos coletivos e indiferente à exclusão social?
A universidade, como toda escola, é um laboratório político, embora muitos o ignorem. E a política, como a religião, comporta um viés opressor e um viés libertador. Como diria Fernando Sabino, são facas de dois legumes…
Um dos fatores de dessa alienação da universidade reside na extensão universitária.Ela é a ponte entre a universidade e a sociedade, a escola e a comunidade.
As universidades nasceram à sombra dos mosteiros. Estes, outrora, eram erguidas distantes das cidades, o que inspirou a ideia de campus, centro escolar que não se mescla às inquietações cotidianas, onde alunos e professores, monges do saber, vivem enclausurados numa espécie de céu epistemológico. Como assinalava Marx, dali contemplam a realidade, tranquilos, agraciados pelas musas,encerrados na confortável câmara de uma erudição especializada que pouco ou nada influi na vida social.
Essa crítica à universidade data do século 19, quando teve início a extensão universitária. Em 1867, a Universidade de Cambridge, Inglaterra, promoveu um ciclo de conferências aberto ao público. Pela primeira vez, a academia abria suas portas a quem não tinha matrícula, o que deu origem à criação de universidades populares.
Antonio Gramsci estudou numa universidade popular na Itália. A experiência o fez despertar para o conceito de universidade como aparelho hegemônico que se relaciona com a sociedade de modo legitimador ou questionador. Para ele, uma instituição crítica deveria, através dos mecanismos de extensão universitária,produzir conhecimentos acessíveis ao povo.
Na América Latina, antes de Gramsci houve o pioneirismo da reforma da Universidade de Córdoba, em 1918. A classe média se mobilizou para que as universidades controladas pelos filhos dos latifundiários e pelo clero se abrissem a outros segmentos sociais. Fez-se forte protesto contra o alheamento olímpico da universidade, sua imobilidade senil, seu desprezo pelas carências da comunidade do entorno.
A proposta de abrir a universidade à sociedade alcançou sua maturidade, na América Latina, no 1º Congresso das Universidades
Latino-Americanas, reunido na Universidade de San Carlos, na Guatemala,
em 1949. O documento final rezava: “A universidade é uma instituição a
serviço direto da comunidade, cuja existência se justifica enquanto
desempenha uma ação contínua de caráter social, educativo e cultural,
aliando-se a todas as forças vivas da nação para analisar seus
problemas, ajudar a solucioná-los e orientar adequadamente as forças
coletivas.A universidade não pode permanecer alheia à vida cívica dos
povos, pois tem a missão fundamental de formar gerações criadoras,
plenas de energia e fé,consciente de seus altos destinos e de seu
indeclinável papel histórico a serviço da democracia, da liberdade e da
dignidade dos homens.”
Sessenta e dois anos depois
do alerta de San Carlos, neste mundo hegemonizado por transnacionais da
mídia mais interessadas em formar consumistas que cidadãos,nossas universidades
ainda não priorizam o cultivo dos valores próprios de nossas culturas
nem participam ativamente do esforço de resistência e sobrevivência de
nossa identidade cultural. O que deveria se traduzir no empenho para
erradicar a miséria, o analfabetismo, a degradação ambiental, a
superação de preconceitos e discriminações de ordem racial, social e
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