sexta-feira, 6 de julho de 2012

O bóson de Higgs e o conhecimento da matéria



5 de Julho de 2012 - 18h19
Pesquisadores do Cern Cientistas do Cern comemoram em Genebra (Suíça) o anúncio da descoberta de uma nova partícula

Os cientistas do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern) anunciaram a mais importante descoberta da física nos últimos 30 anos, um passo importante para o entendimento da estrutura da matéria.

Por José Carlos Ruy



Os físicos do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern) comunicaram ontem (4), em Genebra Suíça, um importante passo para a compreensão da estrutura da matéria. Eles podem ter encontrado indícios da existência do chamado bóson de Higgs, uma partícula elementar fundamental para a explicação da existência da matéria mas, até agora sem comprovação empírica.

"Temos uma descoberta", disse Rolf Heuer, diretor-geral do Cern, no seminário onde foram apresentados os resultados mais recentes das pesquisas realizadas com o Grande Colisor de Hádrons (LHC, do nome em inglês Large Hadron Collider), que é uma imensa máquina (um círculo de 27 quilômetros de circunferência), que custou entre seis e dez bilhões de dólares e começou a funcionar em 2008. E que foi construído especialmente para a investigação de partículas elementares.

Alguns físicos consideraram a descoberta anunciada como a mais importante dos últimos 30 anos no mundo da física. O bóson procurado foi descrito teoricamente por Peter Higgs em um artigo publicado em 1964 e desde então os físicos buscam comprovar sua existência através de experimentos. Trata-se da última partícula prevista pelo chamado modelo padrão cuja existência ainda não foi comprovada. O fato de ser infinitamente pequeno em sua massa e durabilidade (ele se transforma em outras partículas num espaço de tempo infinitesimal) são obstáculos quase intransponíveis para isso. Daí a prudência no anúncio e o alerta de que exigirá ainda muita pesquisa, e o uso de muito tempo e dinheiro para dar aos cientistas uma certeza mais efetiva a respeito do anúncio feito ontem.

Prudência científica

Os cientistas do CERN tem algumas certezas, contudo. Mesmo não tendo observado diretamente o bóson devido a seu decaimento (este é o nome que os cientistas dão à transformação de uma partícula em outras), eles sabem que encontraram alguma coisa importante em dois experimentos diferentes do LHC, o ATLAS (A Toroidal LHC Apparatus)e o CMS (Compact Muon Solenoid).

Os resultados são compatíveis com a descrição feita por Higgs há quase cinquenta anos. "Não é um resultado definitivo, mas as chances são muito grandes", explicou o físico brasileiro Sérgio Lietti, pesquisador do Núcleo de Computação Científica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e que participa das pesquisas do Cern.

Outro físico do Cern, o suíço Oliver Buchmueller, explicou que o resultado semelhante obtido de forma independente pelas duas equipes reforça a convicção da descoberta de um novo bóson, mas pondera, com prudência, que ainda é preciso “provar definitivamente que é o que Higgs previu". Esta é também a opinião do norte-americano de Joe Incandela, responsável pelo CMS. Uma partícula foi de fato encontrada, diz ele, mas ainda é cedo para dizer se é ou não o bóson de Higgs ou não. Ele confessou ter “grandes incertezas"; trata-se, disse, de um “resultado preliminar”, embora “muito forte e muito sólido". "Encontramos algo muito profundo, diferente de qualquer outra partícula."

Sua colega, a italiana Fabiola Gianotti, que dirige a experiência com o detector ATLAS, tem opinião semelhante. "Estamos apenas no começo”, disse, pedindo paciência às pessoas, “em especial aos físicos teóricos”, e também classificando os resultados como preliminares mas sólidos.

Evidências estatísticas

Os cientistas afirmam que o bóson observado está dentro das evidências estatísticas (eles chamam de “sigmas de significância” e neste caso atingiu o valor de 4,9, considerado muito alto) que medem a probabilidade dos resultados. O valor alcançado indica, para os cientistas, uma chance de erro apenas um em um milhão. “Não tenho muita dúvida de que, na física de partículas, é o evento mais importante dos últimos 30 anos”, disse o físico Sérgio Novaes, da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e que participa da equipe brasileira da pesquisa do CMS. "Acho que é um momento histórico que a gente está vivendo".

O bóson de Higgs foi definido como uma das partículas elementares do chamado modelo padrão, que é dominante entre os físicos para explicar o funcionamento da matéria no mundo infinitamente pequeno do interior do átomo e descrever como as partículas se mantém juntas, dando consistência à matéria. Seria uma espécie de “cola” das partículas, impedindo-as de se dispersarem. Esta consistência, que se manifesta desde este mundo extremamente pequeno, está na base de tudo aquilo que existe no Universo - das estrelas aos planetas e aos seres vivos e toda a realidade material observável.

A busca pela partícula de Higgs é, de fato, a busca pela explicação dos fundamentos da matéria naquela que é hoje a última fronteira da ciência; daí sua importância.

Partícula de Deus?

Os cientistas cercam-se de cuidados. Afinal, o anúncio dos resultados tem um duplo interesse, científico e financeiro. É uma forma de prestar contas dos elevados gastos com a pesquisa e, ao mesmo tempo, uma maneira de tentar seduzir os governos, principalmente europeus, a manter os investimentos. É neste sentido que se deve entender a presença de diplomatas de vários países europeus, convidados para assistirem ao anúncio feito na sede do CERN.

Se há cautela entre os cientistas, o mesmo não se pode dizer de editores e jornalistas que tratam do assunto. A começar pelo próprio apelido dado pela imprensa ao bóson de Higgs: partícula-deus (no Brasil, partícula de Deus). Ele surgiu em 1993 quando o Nobel de física de 1988 Leon Lederman publicou o livro “The God Particle” (A partícula-Deus), sobre o bóson de Higgs. Este título foi dado pela editora, que rejeitou a proposta inicial de Lederman, que era “Goddamn Particle” (em português Partícula maldita).

Os cientistas não gostam deste apelido, mesmo porque a brincadeira distorce completamente o significado da busca pela compreensão mais profunda da matéria. Mas no noticiário científico dos jornais e revistas, o apelido pegou com um fundamento indisfarçavelmente ideológico. A busca pela explicação da existência da matéria que move a ciência exclui por antecipação a interferência de forças sobrenaturais. Ao contrário daquilo que o apelido sugere, a comprovação da existência do bóson de Higgs, ou de outro fenômeno natural semelhante a ele, previsto pela teoria, deixa Deus fora da explicação. A pesquisa significa, neste sentido, um avanço materialista na compreensão da natureza e da matéria, e relega a crença numa entidade sobrenatural e divina à esfera das convicções pessoais e íntimas, não comprováveis pela experiência empírica.

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