segunda-feira, 15 de julho de 2013

A teoria do Estado e o partido revolucionário em Marx e Engels

15 DE JULHO DE 2013 - 10H58 



"A luta para libertar as massas trabalhadoras da influência da burguesia em geral, e da burguesia imperialista em particular, é impossível sem uma luta contra os preconceitos oportunistas em relação ao Estado"1.

Por Rita Coitinho*, especial para o Vermelho


Conceitos como "ditadura do proletariado", "partido revolucionário", "poder de classe", dentre outros, causam arrepios aos liberais - de esquerda e de direita. Fundamentalmente porque a propaganda ideológica da burguesia, até o momento vitoriosa nos espaços de produção e difusão do pensamento, tem conseguido deturpar seu sentido real, ao mesmo tempo em que outros conceitos são propagados como valores universais: democracia, como oposição à "ditadura". O que não se admite, em geral, é a pergunta: democracia ou ditadura de quem? E para quem? O que é, de fato, democracia? É votar, simplesmente, ainda que as massas a quem se concede o sufrágio não tenham garantido o acesso às condições de subsistência e que o poder econômico seja o real fiel da balança eleitoral?

A propaganda ideológica divulga a ditadura do poder econômico da burguesia como "democracia" e acusa as experiências socialistas de serem "ditaduras". Da mesma maneira, parte da esquerda adere a essa pretensa universalidade dos conceitos de democracia e representação, transformando a luta pelo poder político em simples disputa pela gestão do aparelho de Estado, entendido como uma entidade exterior e acima das classes. É aí que está o problema central da atuação dos partidos que se orientam pelo marxismo-leninismo. A noção de partido revolucionário que encontramos na teoria marxista-leninista fundamenta-se, quase que totalmente, nas concepções expressas por Marx e Engels sobre a natureza do Estado, como aparelho da classe dominante, noções resgatadas por Lênin em suas obras sobre a questão do Estado e sobre o partido revolucionário. Este artigo procura apresentar, resumidamente, algumas das formulações dos fundadores do marxismo de forma a apontar os laços indissociáveis entre teoria do Estado, Partido e a noção de "ditadura do proletariado".

Para os fundadores do moderno socialismo científico, a história social dos homens e mulheres nunca é mais do que a história do seu desenvolvimento individual, tenham consciência disso ou não. As relações materiais formam a base de todas as suas relações e não são mais do que as formas necessárias nas quais se realiza sua vontade material e individual. Todas as formas econômicas são históricas e, portanto, transitórias. Se, por um lado, é verdade que a humanidade não renuncia às melhorias que conquista historicamente, não significa, por outro lado, que jamais renuncie à forma social em que foram desenvolvidas as forças produtivas que possibilitaram essa elevação das condições de vida. Pelo contrário: no momento em que o modo de organização societária não corresponde às forças produtivas adquiridas, homens e mulheres são obrigados a modificar suas formas tradicionais. As mudanças no plano das ideias acompanham as de ordem material. 

Engels, em carta a Joseph Bloch (1890), apontava que “a situação econômica é a base, mas os diversos elementos da superestrutura – as formas políticas da luta de classes e seus resultados, a saber, as constituições estabelecidas uma vez ganha a batalha pela classe vitoriosa; as formas jurídicas e mesmo os reflexos de todas essas lutas reais no cérebro dos participantes, as teorias políticas, jurídicas, filosóficas, as concepções religiosas e seu desenvolvimento ulterior em sistemas dogmáticos – exercem igualmente sua ação sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos, determinam de maneira preponderante sua forma. Há ação e reação em todos esses fatores, no seio dos quais o movimento econômico acaba por se impor como uma necessidade por meio da infinita multidão de acidentes”2.

Posteriormente Gramsci desenvolveu esta concepção da "superestrutura", fazendo uma distinção analítica entre a sociedade civil e a política, na qual a primeira é composta de associações voluntárias (como famílias, escolas, sindicatos etc.) e a última é constituída de instituições estatais (exército, burocracia, polícia), cujo papel na vida política é a dominação direta: violência, submissão. A cultura, em operação dentro da sociedade civil, influencia as ideias, instituições e indivíduos pelo consenso - essa forma de liderança cultural é o que Gramsci identificou como hegemonia.

As transformações sociais explicam-se dialeticamente: por um lado, o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo gera contradições entre as classes detentoras dos meios de produção (burguesia) e a classe trabalhadora - “na medida em que o trabalho se desenvolve socialmente, convertendo-se assim em fonte de riqueza e cultura, desenvolve-se também a pobreza e o desamparo dos operários, e a riqueza dos que não trabalham” -; por outro lado, essa luta que se estabelece entre as classes cria os fundamentos da teoria que orienta a luta política. Os embates entre as classes acontecem no plano político e, assim, ordenam-se os partidos, que são “a expressão política mais ou menos adequada das referidas classes e frações de classe”3.

Importante destacar que nem toda luta travada pelos partidos se deve, necessariamente, a interesses econômicos irreconciliavelmente conflitantes. São também parte da luta política as disputas entre partidos de frações de uma mesma classe, onde uma delas acaba por conquistar a hegemonia sobrepondo-se às outras, como foi o caso descrito na obra de Marx O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. Neste estudo, Marx descreveu a luta travada entre burgueses monarquistas e burgueses republicanos, uma divisão da burguesia entre a propriedade agrária e o capital (financeiro e produtivo). As demais classes e frações de classe envolveram-se no conflito, como aliados de um dos dois campos da burguesia ou mesmo isoladamente. 

Considerando a forma anárquica de desenvolvimento do capitalismo, Marx e Engels preocupavam-se com a constituição de um forte movimento do proletariado orientado para a destruição da sociedade capitalista e a construção do socialismo, como transição para uma sociedade sem classes, o comunismo moderno. Todo o seu esforço de compreensão dos mecanismos de funcionamento do modo de produção capitalista estava voltado a construir uma teoria que orientasse a ação da classe proletária na luta política pela tomada do poder – “os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo"4.

Ainda que Marx e Engels não tenham produzido nenhuma obra sistemática sobre a questão do partido político, esse debate ocupa uma posição central no conjunto de seu pensamento e na sua atividade política. Para eles, a classe revolucionária, na sociedade capitalista, é o proletariado. Assim como foi a burguesia a classe revolucionária durante o processo de ruptura com o feudalismo (o que não significa que outras classes não possam aliar-se ao proletariado nas lutas políticas). Para atuar “como classe”, o proletariado precisava, na visão dos dois pensadores, constituir-se como partido político distinto, opondo-se a todos os demais partidos existentes. “Essa constituição do proletariado em partido político é indispensável para assegurar o triunfo da revolução social e de seu objetivo supremo: a abolição das classes”5.

Dentro desta lógica de construção partidária, os comunistas constituiriam “a fração mais resoluta dos partidos operários de cada país, a fração que impulsiona os demais; teoricamente, têm sobre a grande massa do proletariado a vantagem de uma compreensão nítida das condições, da marcha e dos fins gerais do movimento proletário”6. 

O Estado, para Marx e Engels, fundamenta-se na sociedade existente e é instrumento de dominação de classe. Na sociedade capitalista o Estado é controlado pela burguesia e serve aos seus interesses. Assim, a ação da classe operária, organizada em seu partido político (e nas organizações econômicas, os sindicatos), não deve ser orientada para o controle deste Estado, mas para a construção das condições históricas para sua destruição: "A comuna de Paris demonstrou, sobretudo, que a classe operária não pode limitar-se simplesmente a tomar posse da máquina do Estado tal como está e servir-se dela para seus próprios fins" 7. Nesse sentido, as conquistas democráticas arrancadas à burguesia são importantes, mas não podem ser o horizonte da classe trabalhadora, pois a estrutura de Estado construída pela burguesia funciona para a manutenção do seu poder de classe, que pressupõe, justamente, o controle e a submissão das demais classes sociais. A verdadeira autonomia dos trabalhadores está em uma formação social sem opressão de classe - a sociedade comunista. E entre a sociedade comunista, objetivo último dos trabalhadores, e a sociedade capitalista, situa-se um período de transformação revolucionária, um período de transição política, “em que o Estado não poderá ser outra coisa que não a ditadura revolucionária do proletariado”8.

O conceito de "ditadura do proletariado" costuma ser deturpado pela teoria burguesa e pelos detratores do marxismo. Foi o que fizeram Kautsky e mencheviques como Martóv. Lênin, em O Estado e a Revolução e depois em A revolução proletária e o renegado Kautsky demonstrou como esses teóricos procuraram atribuir ao conceito de "democracia" e ao parlamentarismo burguês (o cretinismo parlamentar, nas palavras de Lênin) valores pretensamente universais, procurando esconder (por meio de citações incompletas e interpretações que deturpavam o sentido original dos textos de Marx e Engels) a formulação segundo a qual a natureza do Estado - seja ele qual for - é a garantia do poder da classe dominante por meio da repressão às demais classes existentes na sociedade, onde o conceito de Ditadura do Proletariado remete, unicamente, à ideia de que o Estado, sob controle da classe revolucionária, deverá exercer seu poder politico sobre a classe derrotada, até que esta seja definitivamente expropriada e eliminada enquanto classe. 

Nesta luta pelo controle dos rumos da organização societária, Marx e Engels não veem possibilidade de que as disputas se deem de forma permanentemente pacífica. A burguesia não abrirá mão de seu poder de classe a favor do proletariado, e a liberdade desta última classe só se realiza na medida em que não existam mais exploradores e explorados, o que significa a supressão de todas as classes. Do mesmo modo como a libertação da burguesia - que estava relegada ao Terceiro Estado no feudalismo - foi a abolição de todos os estados e de todas as estruturas de poder feudal, a libertação do proletariado deverá substituir a antiga sociedade civil por uma nova associação, que substituirá as classes e seus antagonismos intrínsecos, e “já não haverá então poder político propriamente dito, pois que o poder político é precisamente o resumo oficial do antagonismo da sociedade civil”9. Para lembrar novamente a contribuição de Gramsci, a classe revolucionária terá sucesso em sua empreitada quando conquistar a hegemonia, ou seja, quando seus valores culturais se tornarem os valores dominantes em toda a sociedade. 

A disputa entre proletariado e burguesia é uma disputa de classe contra classe, luta que em sua mais elevada expressão é a completa revolução das estruturas sociais. Somente numa sociedade sem classes é que a evolução social poderá ser dar de forma a que não existam revoluções políticas. Marx expressa o resumo deste ponto de vista no final do texto A miséria da filosofia: “Até lá, nas vésperas de cada remodelação geral da sociedade, a última palavra da ciência social será sempre ‘o combate ou a morte: a luta sanguinária ou o nada. É assim que inelutavelmente se apresenta a questão’ (Geoge Sand)”10.

Notas:

1- LENIN, V.I. Estado e a Revolução. In: Obras Escolhidas, Alfa-Ômega, São Paulo: 1980. Tomo II. Página 223.
2- ENGELS, Friedrich & MARX, Karl. Cartas Filosóficas & O Manifesto Comunista. Editora Moraes, São Paulo: 1987.Página 39.
3 - ENGELS, Friedrich. Introdução de 1895 à As Lutas de Classe na França. In: MARX & ENGELS: Textos. Volume III. Edições Sociais, São Paulo: 1977. Página 94.
4 - ENGELS, Friedrich & MARX, Karl. A Ideologia Alemã (Feuerbach). Hucitec, São Paulo: 1987. Página 14.
5 - MARX, Karl. Estatutos da Associação Internacional dos Trabalhadores. In: MARX & ENGELS: Textos. Volume III. Edições Sociais, São Paulo: 1977. Página 324.
6- ENGELS, Friedrich & MARX, Karl. Cartas Filosóficas & O Manifesto Comunista. Editora Moraes, São Paulo: 1987.Página 117.
7- ENGELS, Friedrich & MARX, Karl. Prefácio de 1872 ao Manisfesto Comunista. O trecho foi uma correção dos autores ao texto original do Manifesto é uma citação da obra do próprio Marx, "A guerra civil na França". Também foi citado por Lênin na obra O Estado e a Revolução. 
8 - MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. http://www.marxists.org/portugues/marx/1875/gotha/index.htm. 
9 - MARX, Karl. Miséria da Filosofia. Centauro, São Paulo: 2001. Página 152.
10 - MARX, Karl. Miséria da Filosofia. Centauro, São Paulo: 2001.


Bibliografia:


ENGELS, Friedrich. Introdução de 1895 à As Lutas de Classe na França. In: MARX & ENGELS: Textos. Volume III. Edições Sociais, São Paulo: 1977. 
ENGELS, Friedrich & MARX, Karl. Cartas Filosóficas & O Manifesto Comunista. Editora Moraes, São Paulo: 1987.
ENGELS, Friedrich & MARX, Karl. A Ideologia Alemã (Feuerbach). Hucitec, São Paulo: 1987.
GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Vol. 5. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
MARX, Karl. Estatutos da Associação Internacional dos Trabalhadores. In: MARX & ENGELS: Textos. Volume III. Edições Sociais, São Paulo: 1977.
MARX, Karl. Estatutos da Associação Internacional dos Trabalhadores. In: MARX & ENGELS: Textos. Volume III. Edições Sociais, São Paulo: 1977.
MARX, Karl. O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte e Cartas a Kugelmann. Paz e Terra, 4a edição, Rio de Janeiro: 1978.
MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. http://www.marxists.org/portugues/marx/1875/gotha/index.htm. 
MARX, Karl. Miséria da Filosofia. Centauro, São Paulo: 2001.
LENIN, V.I. O Estado e a Revolução. In: Obras Escolhidas, Alfa-Ômega, São Paulo: 1980. Tomo II. 


* Rita Matos Coitinho é mestra em sociologia, cientista social e militante do PCdoB em Santa Catarina

Luciano Wexell Severo: Ainda o neoliberalismo



Há poucas coisas mais enganosas e condenadas ao fracasso do que acordos de livre-comércio e livre fluxo de capitais entre nações com economias completamente desiguais. Há alguns meses as forças do liberalismo econômico empurram com muita disposição duas novas iniciativas neste sentido. Trata-se do Acordo de Associação do Transpacífica (TPP, por sua sigla em inglês) e da Aliança do Pacífico.

Por Luciano Wexell Severo, na Carta Maior


A primeira é composta por Austrália, Brunei, Chile, Estados Unidos, Malásia, Nova Zelândia, Peru, Singapura e Vietnã. A segunda está estrategicamente organizada sem a participação direta dos Estados Unidos. Ambas ações representam propostas que se distanciam do Mercosul, ampliado com o ingresso da Venezuela e as possíveis entradas de Equador e Bolívia.

No caso da Aliança e do TPP, repetem-se as promessas de maiores lucros para os setores exportadores e de chegada de grandes investimentos externos, que trarão crescimento e progresso para o Pacífico Sul. Mas, apesar do atrativo canto de sereia, a realidade não funciona desta forma. Na prática, o que se verifica há séculos é como esse tipo de acordo consolida a condição primário-exportadora da periferia do capitalismo e fortalece o caráter excludente e centrípeto do sistema. Tem sido assim desde o famoso tratado assinado entre o embaixador inglês John Methuen e o português marquês de Alegrete, em dezembro de 1703. A fundamentação teórica das vantagens da especialização foi apresentada pelos dois maiores economistas clássicos, sendo tomada como verdade plena e universal por mais de dois séculos até 1949, quando o pensamento emancipador da CEPAL demonstrou a sua inviabilidade.

No nosso caso, latino-americano, apesar dos grandes esforços para impedi-lo, houve inúmeros esforços para criar uma zona econômica coerente e articulada, voltada para dentro, sobretudo a partir do século 20. No entanto, é crucial não confundir essas ações integradoras com as tentativas hegemônicas de destrui-las. Ao longo dos tempos, observa-se na América Latina um embate permanente entre as propostas de integração integradora e os esforços por uma integração desintegradora, voltadas para fora, tal qual a Aliança do Pacífico e o TPP. Vejamos, a seguir, alguns pontos sobre esses dois possíveis caminhos.

As iniciativas efetivamente integradoras sempre ganharam força depois de grandes crises internacionais e nas situações em que ascenderam ao poder governos menos identificados com o ideário liberal. Foi assim quando, nos anos 50, a Argentina do General Juan Domingo Perón, o Brasil de Getúlio Dornelles Vargas e o Chile do General Carlos Ibañez pensaram na reativação do Pacto ABC, sonhado pelo Barão do Rio Branco. A situação voltou a ser favorável quando as esquerdas ou os militares progressistas do Pacífico empurraram o Pacto Andino, futura Comunidade Andina de Nações (CAN). Os anos 70 foram tempos dos governos do socialista Salvador Allende no Chile, do General Guillermo Rodríguez Lara no Equador, do General Juan Velazco Alvarado no Peru e do General Juan José Torres na Bolívia. Por fim, novamente houve um avanço razoável no final dos anos 80, quando os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín pensaram um plano completo de integração para o Cone Sul, que transcendia a esfera comercial. Só depois, no cenário pós-URSS e no bojo da suposta “fim da História”, os liberais Fernando Collor e Carlitos Menem desvirtuaram o Mercosul.

Por outro lado, os projetos integracionistas desintegradores, no geral liderados pelos Estados Unidos, são uma constante no cenário latino-americano. Para eles, não convém de nenhuma forma que as nações da região construam um processo de intensificação comercial, complementação produtiva e cooperação para o desenvolvimento nas mais diversas esferas. O país hegemônico sempre atuou no sentido de torpedear as aproximações e conspirar contra as políticas de união da sua periferia. Trabalha para confundir, criar divisões e gerar atritos, no melhor estilo “dividir para reinar”.

Diante da profunda crise econômica, política, social e moral, os anos 2000 representaram uma possibilidade de ressureição para a América Latina. Como parte desta virada para dentro, em 2005, na IV Cúpula das Américas, em Mar del Plata, foi derrotada a ideia estadunidense da Alca. Com dificuldades, mas foi derrotada. É importante recordar que o rechaço à proposta anexionista americana não foi um consenso. A declaração final do encontro explicita duas posições muito distintas. Enquanto alguns países defenderam continuar o debate sobre a Alca, as intervenções de Chávez, Lula, Tabaré Vázquez e Kirchner frearam essa possibilidade. Isto foi possível graças ao trabalho conjunto de três agentes centrais. Os povos, os governos e os empresários nacionais. Isso mesmo. Movimentos sociais, produtores privados e equipes governamentais uniram esforços para suspender a criação daquela iniciativa imperial. E venceram a batalha. Aquela foi uma típica situação na qual se abre a possibilidade de convergência de interesses contra um inimigo externo comum.

Mas os interesses estrangeiros apostam na desunião interna e se utilizam de setores supostamente críticos para atentar contra os governos progressistas. Como sempre, se aposta na falta de compreensão de setores sectários que terminam fazendo o papel de marionetes dos interesses mais reacionários. Uma coisa era o atraso e o retrocesso neoliberal dos anos 90; outra, bastante diferente, são os atuais governos vacilantes e infiltrados por conservadores. São insuficientes e geram muita agonia. Mas não os inimigos.

Na grande maioria dos países latino-americanos o que está em jogo não é a construção do socialismo ou a superação do capitalismo. O que está em jogo é a própria existência dessas nações e a possibilidade de saírem do buraco profundo do subdesenvolvimento e da dependência. Para desespero dos ansiosos, entre os quais me incluo, o que está em jogo é, ainda, a superação ou não do neoliberalismo. Por isso, grandes metas a alcançar agora seriam o resgate do poder decisório dos Estados nacionais, a retomada de políticas de desenvolvimento, a afirmação de um projeto popular e a promoção da integração da América Latina. Este texto não foi escrito no início dos anos 2000. Estamos em 2013 e, infelizmente, não passou de moda posicionar-se contra o neoliberalismo.

De acordo com esta interpretação, parece evidente que os inimigos não são os nacionalistas, os militares, os empresários privados no geral e nem os governos progressistas. Os inimigos são o imperialismo americano e os monopólios privados nacionais e estrangeiros que controlam os setores industrial, comercial, financeiro e de serviços. Por isso, é hora de rearticular alianças nacionais, populares, democráticas, integracionistas, anti-liberais, anti-imperialistas e anti-oligárquicas. É hora de insistir na completa superação do neoliberalismo.

* Luciano Wexell Severo é professor do curso de Economia, Integração e Desenvolvimento da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Foz do Iguaçu, Brasil. luciano.severo@unila.edu.br


Sindicalistas promovem ato de início das atividades no Grupo de Trabalho da Comissão Nacional da Verdade

15 DE JULHO DE 2013 - 13H11 



Na próxima segunda-feira (22) será realizado em São Paulo, um Ato Sindical Unitário com 10 Centrais brasileiras para iniciar as atividades públicas do Grupo de Trabalho sindical na Comissão Nacional da Verdade. A data foi escolhida pelo sentido simbólico da ação unitária sindical na Greve Geral de 1983, que completará 30 anos no dia 21 de julho. O Ato é convocado pelo Coletivo Sindical de Apoio ao Grupo de Trabalho “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical”.


 
Foto: 1978 Movimento sindical volta às ruas.
O evento será aberto por dois dirigentes da greve geral de 83, Jair Meneguelli e Arnaldo Gonçalves que à época eram Presidente da CUT e Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santos respectivamente.

A mesa contará com a coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, Rosa Cardoso, também responsável pelo GT “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores”; Paulo Vannuchi, membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos; José Luis Del Roio, presidente do Instituto Astrogildo Pereira. Terão assento e voz os representantes das 10 Centrais Sindicais que compõem o Coletivo de Apoio ao GT.

Serão exibidos vídeos curtos de representantes de diferentes categorias de trabalhadores que tiveram protagonismo na luta contra a Ditadura: Carlúcio Castanha Júnior (in memoriam) - integrante da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM-SP) e membro da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM/CUT); Derly José de Carvalho – um dos fundadores do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo;José Ibrahin (in memoriam) – presidente (cassado) do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco na época da greve de 1968. José Maria de Almeida – metalúrgico de Santo André; Nair Goulart – Diretora do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo; Raphael Martinelli – liderança nacional dos ferroviários e do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT); Vital Nolasco – Diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo;

A Greve Geral de 1983 levou, em plena ditadura, três milhões de trabalhadores às ruas. Contou com a adesão de 35 entidades sindicais e de associações de funcionários públicos. Diversos setores da sociedade — estudantes, partidos de esquerda, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), entre outros — se solidarizaram com os trabalhadores, manifestando publicamente suas posições.

Reunião e coletiva nesta terça-feira (16)

O coletivo de apoio realizará, em São Paulo no dia 16 de julho, a partir de 9h30, sua quinta reunião de trabalho com Rosa Cardoso. Após a reunião, integrantes do GT e a coordenadora da CNV concedem entrevista coletiva no Gabinete da Presidência da República em São Paulo sobre o andamento dos trabalhos e o ato do dia 22.

Serviço
Ato Sindical Unitário de inauguração Pública das atividades do GT “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical”
Data: 22 de julho de 2013
Horário: 9h
Local: Sindicato Nacional dos Aposentados
Endereço: Rua do Carmo, 171 (metrô Sé, saída Poupatempo) - São Paulo/SP

Fonte: Ascom Comissão Nacional da Verdade


Por causa da censura de "Bonitinha, mas Ordinária". Artistas de Campos se reúnem hoje.


Manifestação dos artistas de Campos, na última quinta, na praça São Salvador, contra a denúncia de censura a Nelson Rodrigues (foto de Valmir Oliveira)
Manifestação dos artistas de Campos, na última quinta, na praça São Salvador, contra a denúncia de censura a Nelson Rodrigues (foto de Valmir Oliveira)
No final da tarde de hoje, às 18h, os artistas de Campos voltam a se reunir, na segunda mobilização depois da polêmica da denúncia de censura à peça “Bonitinha, mas Ordinária”, de Nelson Rodrigues, que teria sido cancelada sob alegação de razões pessoais e religiosas da prefeita Rosinha (PR), segundo denunciou aqui e aqui, em mídia nacional, os integrantes do grupo teatral carioca “Oito de Paus”, que encenaria o texto no Trianon, em 10 de agosto (relembre o caso aqui e aqui). Se a primeira reunião foi na praça São Salvador, na última quinta, dia 11, que terminou após passeata de protesto até o Trianon, a de hoje será na praça do Liceu. Na pauta, a convocação da Conferência de Cultura do Município, no próximo sábado, dia 20, no Museu Histórico de Campos, marcada na reunião do Conselho de Cultura realizada na manhã do último sábado, dia 13, na primeira reação do governo municipal após a denúncia de censura à obra Nelson. Antes da Conferência, os artistas programam outro protesto, desta vez em frente ao Palácio da Cultura, onde funciona a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima. A intenção é tentar uma audiência com sua presidente, Patricia Cordeio, que até agora não se pronunciou oficialmente sobre toda a polêmica.

sábado, 13 de julho de 2013

COIMBRA, BLÁBLÁRINA E BARBOSA: QUEM TOPA ?


Onde estavam o PiG, o STF, os Gurgéis, os transporteiros quando o FHC comprou a reeleição ?

Conversa Afiada reproduz artigo sempre afiado de Marcos Coimbra na Carta Capital, através do Blog do Falcão:


QUEM TOPA A AVENTURA?


Por Marcos Coimbra*


Em meio ao desprezo pelos políticos, emergem estrelas como Marina Silva e Joaquim Barbosa, que nem sequer partido têm. Mas os candidatos “não políticos” costumam ser preteridos nas urnas.

Constitui verdade acaciana afirmar que é ruim a imagem dos políticos no Brasil. Até as crianças do grupo o sabem e, aliás, compartilham a opinião. Não é idiossincrasia nossa, tampouco decorre de alguma peculiaridade da evolução política brasileira. Mundo afora o mesmo ocorre em países ricos e pobres, de democracia mais ou menos consolidada. Os políticos andam em baixa em todos os lugares.

Mas o fenômeno assume aqui feições características. Passamos 20, dos últimos 50 anos, sob uma ditadura, que se instaurou com o pretexto de extirpar a corrupção e a subversão. Seus alvos imediatos foram os partidos e as lideranças políticas, acusadas de uma ou outra. Os generais se fantasiavam de os mais honestos e respeitadores das leis, e melhores como administradores. Durante o autoritarismo, político era quase sinônimo de corrupto e incompetente.

Mesmo que já tenha transcorrido três décadas desde a redemocratização, os ecos daquele período ainda estão vivos. Uma parte ponderável de nossa sociedade foi formada em uma cultura que olhava com repúdio aqueles que se dedicavam à política. Muitos entre os muitos jovens aprenderam com seus pais a desconfiar deles e a menosprezá-los.

Em junho, nas manifestações de rua da classe média conservadora, os bordões que se ouviam expressavam tais sentimentos. É claro que são muitos os exemplos de políticos que só pensam em ganhar dinheiro ilicitamente, locupletar-se e se eternizar no poder. Assim como são inúmeros os casos de incompetência. O problema brasileiro é, no entanto, maior que no resto do mundo? Terá se agravado recentemente?

Pelo que se conhece da experiência internacional e de nossa trajetória, parece que nem uma coisa nem outra. Tivemos, por exemplo, um presidente que sofreu impeachment, mas o mesmo aconteceu nos EUA. Nossos partidos foram acusados de se financiar de maneira irregular, algo, porém, que volta e meia ocorre em democracia maduras, como a Alemanha e a França. E nem temos famílias reais que traficam influência, como a Espanha e a Holanda.

Dizer que a corrupção e a incompetência dos políticos brasileiros aumentaram nos últimos anos é simples ignorância ou ação política deliberada. Ao contrário do que pensa o cidadão pouco informado, os mecanismos de controle do uso dos recursos públicos são mais eficazes hoje que no passado e são melhores as safras mais recentes de administradores em municípios, estados e União. Ao contrário de ter piorado, avançamos nesse aspecto.

Então, o que ocorre? Por que a grita contra “os políticos”? Por que diminui a aprovação de prefeitos, governadores e da presidenta? Por que sobem nas pesquisas de intenção de voto para a próxima eleição presidencial apenas os candidatos não políticos e caem os candidatos de verdade? Por que as estrelas das últimas pesquisas foram Marina Silva e Joaquim Barbosa, que nem sequer partido têm?

Nossa vida política é curiosa. No segundo mandato de FHC, o país ficou em sobressalto permanente: uma crise cambial aguda, trocas atabalhoadas de presidentes do Banco Central, denúncias de que autoridades econômicas passaram informações a bancos particulares, a ameaça de um calamitoso apagão elétrico, a inflação voltando a ser voraz. Tudo em um governo suspeito de ter comprado votos na Câmara de Deputados para conseguir permanecer no poder. Onde estava a “grande mídia”? O que escreveram os colunistas que hoje se proclamam indignados? Onde estavam os ministros da Suprema Corte? E a Procuradoria-Geral da República? E a classe média “manifestante”?

Quietos e calados.

No fundo, tudo o que querem, desde quando começaram a gritar de um ano para cá, é derrotar o “lulopetismo”. Mas não sabem dosar a munição. Atingem o conjunto do sistema político e abrem o caminho para aventuras de alto risco. Resta-nos lembrar que a maioria do eleitorado brasileiro até finge que vota em gente que não é do ramo. Quem não se recorda da dianteira de Celso Russomano na eleição municipal de São Paulo, em 2012? Ou de Ratinho Junior em Curitiba? Mas quem foi que ganhou nas duas cidades?

Na hora de escolher alguém para um cargo executivo importante, o eleitor pensa com seriedade. A menos que o impeçam, é o que fará em 2014.

“Vou ganhar essa eleição sem precisar trabalhar muito” (De Aécio Neves, provocando risos em um grupo de tucanos. Não se sabe se riam de prazer ou de ironia).

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Em Carta Capital

A RETUMBANTE VITÓRIA DAS CENTRAIS. NO GLOBO !

Pergunta à FIESP o que dói mais: trabalhador organizado na rua ou a rapaziada que anula o voto ?
Saiu no Globo, pág. A6, da edição nacional:

ARTIGO: CENTRAIS SINDICAIS SE FIZERAM OUVIR NO PAÍS


De Adalberto Cardoso, professor e pesquisador do Iesp-Uerj

As centrais sindicais foram às ruas na quinta feira, dia 11, com uma pauta classificada por alguns como “corporativa” e restrita a “temas trabalhistas”, de interesse de uma minoria. Essa interpretação erra o alvo. Jornada de trabalho e regras de aposentadoria, dois dos temas salientes da convocação das centrais, são afeitos a todos os que ganham a vida trabalhando.

Na ponta do lápis, 55 milhões de brasileiros contribuem para a previdência social, e cerca de 123 milhões de pessoas vivem em famílias nas quais pelo menos um membro contribui. Além disso, 40 milhões de brasileiros trabalham 44 horas por semana ou mais, e 103 milhões de pessoas vivem em famílias em que pelo menos um membro trabalha essa jornada (dados da PNAD-2011, última disponível).

Trabalhar menos e se aposentar com decência são conquistas civilizatórias universalizadas no século XX nos países mais ricos, mas permanecem uma promessa no Brasil. E são demandas históricas de nosso sindicalismo.

Julgadas contra o pano de fundo das jornadas de junho, que levaram mais de um milhão de pessoas às ruas, metade delas jovens de 24 anos ou menos (segundo a pesquisa IBOPE divulgada no Fantástico), a manifestação puxada pelas centrais sindicais e outros movimentos organizados pareceu um fracasso. Outro engano.

Os avanços mais evidentes das administrações petistas ocorreram no mercado de trabalho. Foram quase 20 milhões de empregos formais criados em 10 anos, isto é, 20 milhões de novos contribuintes para a previdência social.

O ganho de renda das famílias entre 2002 e 2011 também foi expressivo, de mais de 35% em termos reais, tendo chegado a 80% em alguns estados do Nordeste, ainda segundo a PNAD. A inflação recente, que atinge mais fortemente os mais pobres, porque puxada sobretudo pelos alimentos, vem corroendo em parte esses ganhos, mas a maioria das categorias tem conseguido aumentos de salários acima dos índices oficiais de inflação, segundo o DIEESE.

Ou seja, se há insatisfação de parcelas da população quanto à sua qualidade de vida, essa insatisfação não parece ter origem no mercado de trabalho. E no entanto, as centrais sindicais, com uma pauta com viés de classe (e não difuso como as jornadas de junho), se fizeram ouvir no país inteiro, com passeatas em todas as capitais e centenas de cidades do interior, bloqueios de estradas e acesso a portos e, no caso do Rio de Janeiro, confronto com a PM, que vem utilizando violência excessiva contra os manifestantes. Não colocaram um milhão de pessoas nas ruas. Mas mostraram que continuam ativas, e que são capazes de causar prejuízos à economia e aos poderes públicos, seu principal recurso reivindicatório.

Navalha
Conversa Afiada observaria, também, a propósito do sucesso do Dia Nacional das Lutas:
- Se quiserem derrubar a Dilma nas ruas, vai ter Venezuela !
- Uma coisa é doença infantil do transportismo, que a Globo transformou em Golpe contra Dilma.
- Outra é trabalhador paralisar o país com pauta trabalhista.
- Pergunta pra FEBRABAN, pra FIESP o que dói mais.
- Uma coisa é classe média cheirosa hostilizar os partidos e a CUT na Avenida Paulista.
- Outra é paralisar o país dentro da Lei, com aviso à Polícia sobre o trajeto, sem interromper o transporte urbano, sem manifestante mascarado.
- Pergunta pra FIESP o que dói mais.
- Pergunta à FIESP se ela prefere o MPL que anula voto ou o Vagner , que vota na Dilma.
- Uma coisa é manifestante da classe média virar herói da Globo.
- Outra, é o Dia Nacional das Lutas mudar a logomarca da Globo: “sonega Globo”.
- Uma coisa é dar Golpe na rua.
- Outra é evitar, na rua, o Golpe.
- Pergunta pra FIESP o que dói mais.
- Pergunta aos filhos do Roberto Marinho – eles não têm nome próprio.
- Pergunta à Dilma.
Ela sabe.
Paulo Henrique Amorim

Taxa de homicídios de negros cresce 9% em cinco anos


Homem, negro, com idade entre 15 e 29 anos. Esta é a descrição da principal vítima de homicídios no país, segundo dados obtidos pela Agência Brasil no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Dos 52.198 homicídios ocorridos no Brasil em 2011, 18.387 tiveram como vítimas homens negros entre 15 e 29 anos, ou seja, 35,2% do total. Cruzando dados do Ministério da Saúde e do IBGE, verifica-se que em 2011 a taxa de homicídios de negros cresceu 9% em cinco anos.


De acordo com a cientista social Áurea Carolina de Freitas, que integra o Fórum das Juventudes da Grande Belo Horizonte, o fenômeno é consequência de fatores como uma polícia que não respeita os direitos humanos e uma cultura social que não valoriza a vida do jovem negro que mora na periferia das cidades.

“Seria preciso uma mudança radical no Sistema Judiciário, nessa lógica de encarceramento em massa, de ver a juventude negra sempre como um suspeito, que mesmo calado está errado, da prática de primeiro atirar para depois perguntar o que a pessoa está fazendo. Recebemos muita denúncia de pessoas que primeiro apanham, e só depois a polícia pergunta o que está fazendo naquela hora, naquele lugar”, disse a ativista.

Segundo Felipe Freitas, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) da Presidência da República, a persistência da violência contra a juventude negra resulta tanto do processo histórico no país, em que a população negra foi sendo empurrada para as áreas mais pobres e vulneráveis das cidades, como do racismo que ainda persiste na sociedade.

“Essas populações foram empurradas para as áreas mais vulneráveis das cidades, reduzindo suas oportunidades de inclusão e participação na vida social do país. Isto já é um racismo. Mas além disto, temos a persistência desse fenômeno, gerando novas desigualdades. O jovem não consegue entrar no espaço público e ser tratado como igual. Ele é mais facilmente capturado pelo sistema prisional. A culpa desse sujeito é mais rapidamente presumida sem o devido processo legal”, declarou.

De acordo com a Seppir, há evidências de que a sociedade brasileira tolera mais a morte de negros do que de brancos. Uma pesquisa feita pela secretaria em parceria com o DataSenado, em 2012, mostrou que, para 55,8% da população, a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte violenta de um jovem branco.

Taxa de homicídios de negros cresce 9% em cinco anos


Favela Danon, município de Nova Iguaçu, 20 de junho de 2011, Baixada Fluminense. O menino Juan Moraes voltava para casa sem imaginar que aqueles seriam os últimos momentos de sua vida. O que aconteceu no instante em que foi morto é nebuloso e ainda não foi totalmente esclarecido, pois o caso ainda será julgado pelo Tribunal do Júri.

Denúncia do Ministério Público (MP), no entanto, relata que Juan, um menino negro, de 11 anos de idade, foi morto por policiais militares, que faziam uma operação na favela. De acordo com o MP, os policiais atiraram na criança, pensando que ele era um traficante de drogas. Ao perceber que tinham matado um menino desarmado, os policiais tentaram ocultar o crime escondendo o corpo.

O crime, talvez, nunca tivesse a autoria identificada se um irmão de Juan, ferido na ação, não sobrevivesse. Foi ele quem relatou o desaparecimento do irmão e a tentativa dos policiais em sumir com o corpo. Juan foi um dos 35.207 cidadãos negros assassinados no país em 2011, segundo levantamento feito pela Agência Brasil com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde

Cruzando as informações do ministério com dados do censo populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), verifica-se que, em 2011, a taxa de homicídios dessa população foi de 35,2 por 100 mil habitantes, taxa 9% acima do que a observada cinco anos antes, quando foram registrados 29.925 casos, ou seja, 32,4 por 100 mil habitantes.



Ao mesmo tempo em que negros ficaram mais vulneráveis à violência nesses cinco anos, a taxa de homicídios da população branca caiu 13%, ao passar de 17,1 por 100 mil habitantes em 2006 (15.753 em número absoluto) para 14,9 por mil em 2011 (13.895 casos).

O dado reflete a grande disparidade racial que existe no Brasil, quando se trata de vítimas de assassinatos. Com o aumento dos homicídios entre a população negra, a probabilidade de um preto ou pardo ser vítima de assassinato no país passou a ser 2,4 vezes maior do que a de um branco. Em 2006, a proporção era de 1,9.

Mãe de um jovem negro executado em 2006 por um grupo de extermínio, na Baixada Santista, em São Paulo, Débora Maria da Silva não vê uma melhora na situação no país. O gari Edson Rogério Silva dos Santos foi morto a tiros em maio de 2006, durante uma onda de ataques no estado de São Paulo, quando saía para comprar remédio.

Para a mãe de Edson, os negros são as maiores vítimas, porque moram nas áreas mais pobres da cidade. Segundo ela, o Estado ainda mantém uma postura racista, mesmo 125 anos após a abolição da escravatura no país.

“Temos que acabar com isso. Não vivemos mais no tempo da escravatura, que se tem coronéis, capitães-do-mato e sinhozinhos. Apesar de permanecerem as senzalas, que são as periferias, e os porões dos navios negreiros, que são os presídios”, disse Débora, que lidera um movimento por justiça para os assassinatos de maio de 2006.

Para o coordenador da organização não governamental (ONG) Observatório das Favelas, Jaílson de Souza, o aumento da taxa de homicídios de negros tem relação com a mudança geográfica dos assassinatos no país. Nos últimos anos, enquanto o Sul e o Sudeste têm vivenciado a redução das taxas de homicídios, o Norte e Nordeste têm visto um aumento da violência.

Esses estados, segundo Souza, são os que concentram as maiores populações de pretos e pardos. “Quando essa geografia da morte muda, e há mais violência no Norte e Nordeste, essa mudança acaba por gerar mais morte de negros, sejam pardos ou pretos. Em Alagoas, por exemplo, há um branco para cada 20 negros”, disse.

Dos cinco estados onde o assassinato de negros mais cresceu, quatro são do Nordeste e um no Norte. O Rio Grande do Norte teve um crescimento de 2,7 vezes na taxa de homicídios, ao passar de 16,1 por 100 mil habitantes, em 2006, para 43,6 por 100 mil, em 2011. Na Paraíba, a taxa dobrou, de 30,1 para 60,3 por 100 mil.

Entre os outros estados onde o crescimento foi grande entre 2006 e 2011, estão Alagoas (de 53,9 para 90,5 por 100 mil habitantes), o Amazonas (de 22,3 para 42 por 100 mil) e Ceará (de 17,8 para 29 por 100 mil).

Para Jaílson de Souza, o crescimento econômico do país, sem uma mudança da estrutura social, também contribui para o incremento da violência entre as populações mais vulneráveis. “Nosso desafio é reconhecer que não basta o crescimento econômico, tem que ter uma política que leve em conta o racismo, que é um elemento estrutural da desigualdade brasileira.”

Fonte: Agência Brasil