Por Aluysio, em 11-01-2012 - 17h49
Época de cheias, em certo aspecto, se assemelha à de Copa do
Mundo: de repente, diante do grande interesse sobre o assunto, muita
gente começa a posar de especialista e, em busca de evidência, passa
a emitir as mais variadas opiniões sobre algo de que nada entende. Na
contramão desta tendência amadora e um tanto desonesta, este blogueiro —
que nunca foi especialista na bacia hidrográfica da região, nem tem a
pretensão de sê-lo, embora de futebol, como todo brasileiro, se ache um
pouquinho conhecedor… (rs) — foi buscar a ajuda do historiador ambiental
Arthur Soffiati, para analisar como soluções defintivas podem ser dadas
à questão das cheias na região.
Aqui,
o vice-governador Luiz Fernando Pezão, após declarar que “não adianta
mais enxugar gelo”, revelou ao blog que o Estado do Rio encaminhou dois
projetos à União, visando dar essas soluções definitivas: um em Campos
(no valor de R$ 300 milhões) e outro abrangendo Itaperuna, Italva,
Cardoso e Laje do Muriaé (orçado em R$ 350 milhões). Abaixo, em artigo
escrito a pedido deste “Opiniões”, Soffiati detalhou, em sua visão de
especialista, como essas soluções defintivas teriam que ser tecnicamente
buscadas. Como o leitor poderá perceber, elas não são fáceis. E não é
nem preciso ser grande entendedor do assunto para projetar que
não custarão barato…

O rio Paraíba e a curva da Lapa na manhã de hoje (Foto de Antônio Cruz)

(Foto de Antonio Cruz)
Solução para as enchentes no Norte-Noroeste Fluminense?
Por Arthur Soffiati
Embora o vice-governador do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando
Pezão, não tenha detalhado os projetos a serem executados com o fim de
resolver em caráter definitivo os problemas causados pelas sucessivas
enchentes no Norte-Noroeste Fluminense, algumas informações colhidas
aqui e acolá permitem avaliar o efeito das soluções.
A primeira consiste em bifurcar o rio Muriaé antes de Laje do Muriaé,
de Itaperuna e de Italva. Este empreendimento exige a abertura de três
canais que começam antes das três sedes municipais, passam por trás
delas e voltam ao rio abaixo das três. Assim, as águas de enchentes
seriam divididas: uma parte continua a correr pelo rio principal e a
outra é desviada para o canal. Passada a cidade, as águas se juntam
novamente no rio.
A solução partiu da própria Defesa Civil dos municípios do Noroeste
Fluminense e incluía também a cidade de Cardoso Moreira. Também não é
uma idéia nova, pois, na década de 1920, o engenheiro campista Francisco
Saturnino Rodrigues de Brito a propôs para Campos. A mesma idéia geral
foi levada adiante com Camilo de Menezes e pelo plano urbanístico
Coimbra Bueno para Campos, em 1944. O Departamento Nacional de Obras e
Saneamento (extinto DNOS) acabou por encontrar uma solução intermediária
abrindo o Canal do Vigário entre a margem esquerda do rio Paraíba do
Sul até a lagoa do Campelo e desta ao rio Guaxindiba até o mar pelo
canal Engenheiro Antonio Resende.
Primeiramente, o problema que se destaca é o da topografia do
terreno. Os rios sempre buscam o caminho mais baixo, por onde as águas
correm com mais facilidade. Abrir três canais por terrenos mais elevados
que o vale do rio implica em altos custos financeiros. Trata-se de um
tipo de transposição peculiar, pois as águas serão desviadas para o
mesmo rio, depois que ele passa pela cidade.
Em segundo lugar, deve-se observar, nesta solução, as dimensões dos
canais que contornam as três cidades do Noroeste Fluminense para ter-se
noção da vazão desviada. Se for muito pequena, as cheias perderão
impacto, mas nem sempre a ponto de evitar que inundem as cidades. Na
altura de Laje do Muriaé, talvez um canal com a largura e a profundidade
do rio Muriaé seja viável, dividindo a vazão ao meio. Já em Itaperuna e
Italva, não se sabe se um segundo rio, com as mesmas dimensões do
primeiro, será possível.
Em terceiro lugar, tanto a nascente quanto a foz de cada canal deve
contar com comportas, pois, no período da estiagem, quando o nível pode
ficar muito baixo, o canal aberto no início e no fim, roubará água do
rio e reduzirá mais ainda o seu nível. Na estiagem, o canal deve ser
isolado para não roubar água do rio.
Em quarto lugar, cabe salientar que as águas desviadas pelos canais
só reduzirá a vazão antes que o rio cruze as três cidades. Passados os
três canais, a vazão recuperará o seu volume, talvez até ampliando-o,
com águas colhidas em seu percurso, para atingir Cardoso Moreira, cidade
cuja solução para as enchentes é outra. Saturnino de Brito, que
continua muito atual, propôs um grande canal paralelo ao Rio Paraíba do
Sul, começando nele mas não voltando a ele, e sim chegando ao mar.
Assim, na altura de Campos, o Paraíba se bifurcaria e teria dois
desaguadouros no mar. A solução do DNOS não tem esta capacidade, pois a
vazão dos canais do Vigário e Engenheiro Antonio Resende são
insignificantes para as cheias e não podem ser usados sob risco de
inundar bairros de Campos. Além do mais, estão abandonados, assoreados e
entupidos há muito tempo.
Em síntese, os três canais podem resolver parcialmente os problemas
de enchentes em Laje do Muriaé, Itaperuna e Italva, mas não em Cardoso
Moreira, Outeiro, Três Vendas, Sapucaia e Campos. Para estes núcleos
urbanos, a solução é a construção de um ou dois grandes diques para
proteger Cardoso Moreira nas duas margens do rio Muriaé e Campos, também
em ambas as margens do rio Paraíba do Sul. Não podemos mais abrir mão
dos diques como instrumento de contenção de cheias, mas não podemos nos
limitar a eles.
Cardoso Moreira cresceu no leito de cheias do Muriaé. Quando o rio
enche, cerca de 80% ou mais ficam embaixo d’água. Se o núcleo urbano se
instalasse na parte alta da área, imediatamente atrás da atual cidade,
não haveria nenhum problema de enchente, pois as águas do rio sempre
foram detidas ao pé da colina. O mesmo se pode afirmar da parte baixa de
Outeiro, de todo o espaço de Três Vendas e de Campos. Em Outeiro, só a
parte baixa é atingida, mesmo assim apenas pelas cheias de 2012, devido
ao rompimento de um dique no canal da Onça. Três Vendas é refém de
diques e da BR-356. Sapucaia idem, embora com um histórico menos
dramático.
Campos foi erguida, no século XVII, totalmente na planície aluvial do
Rio Paraíba do Sul, um pequeno pantanal impróprio para a construção de
cidades. Campos só consegue se manter a altos custos, com a abertura de
uma ampla rede de canais, com a drenagem de lagoas e com diques. Se a
cidade se erguesse na margem esquerda, onde os terrenos de tabuleiro
apresentam ondulações com áreas baixas e áreas altas, os problemas
seriam menores.
Em resumo, a solução representada pelos diques não tem sido
confiável. Para retomá-la, tornam-se necessárias as seguintes medidas:
1) fortalecimento dos diques em toda a extensão de áreas sujeitas a
alagamento; 2) afastamento máximo possível dos leitos dos rios para
aumentar a capacidade da calha dos mesmos e a retenção da vazão dentro
dos seus limites; 3) elevação do nível das estradas que atravessam áreas
de alagamento, como é o caso da BR 356, entre muitos outros, medida que
as ferrovias tomaram, colocando-as sempre em pontos elevados ou em
divisores de água; 4) sistemas adequados de circulação de águas sob as
rodovias, permitido que o excedente hídrico alcance áreas de várzeas e
de lagoa marginais, que devem ser contidas por comportas até o fim das
enchentes. Então, as águas poderiam ser liberadas ou conservadas para
uso nos períodos de estiagem.
Nos casos de Cardoso Moreira, Outeiro, Três Vendas, Sapucaia e
Campos, as várzeas e as lagoas drenadas total ou parcialmente ou aquelas
que barram as águas dos rios Muriaé e Paraíba do Sul devem ser
reintegradas ao sistema de macrodrenagem, como acontecia originalmente.
Esta questão está afeta ao governo do Estado do Rio de Janeiro, e o
governador Sérgio Cabral e o vice-governador Pezão devem ser informados
quanto a ela. Não se trata mais exclusivamente de uma preocupação de
Defesa Civil. As lagoas da Onça e do Maranhão, na margem esquerda do
Muriaé devem ser retomadas como área de escape, assim como as comportas
das Lagoas do Lameiro e Limpa devem voltar ao controle do INEA. Já na
margem esquerda do Paraíba do Sul, as lagoas das Pedras, do Jacu, do
Cantagalo, do Vigário, de Maria do Pilar, do Taquaruçu, da Olaria, do
Fogo, do Arisco e do Campelo, assim como o banhado da Cataia e do
Mundeuzinho também devem voltar ao controle efetivo do INEA para
funcionarem como áreas de escape, retomando o espírito público expresso
por Saturnino de Brito durante toda sua vida.
No caso de Três Vendas, qual a proposta? O reforço do dique da margem
esquerda do Muria e a reforma da BR-356 não são confiáveis. Continuo
defendendo a transferência do núcleo para uma colina atrás do povoado.
Por fim, nenhuma solução será satisfatória em si mesma sem um
programa de reflorestamento da Zona da Mata Mineira, do Noroeste
Fluminense e da área entre a Serra do Mar e o rio Paraíba do Sul. Da
mesma forma, um programa de reurbanização da Zona Serrana do Rio de
Janeiro deve entrar nos planos dos governos estadual e federal. Nela,
ainda há florestas, mas as cidades escalam os morros perigosamente.
Aí estão as propostas de um historiador ambiental que vê as múltiplas
dimensões da realidade, e não apenas aspectos hidrológicos e de
engenharia. Seja qual for a decisão, deverá ela ser submetida ao Comitê
da Região Hidrográfica IX, que, por sua vez, deve convocar audiência
pública para discuti-la.