5 de Julho de 2013 - 16h00

Wilson Batista
A história da música popular brasileira se mistura à do país e
está intimamente ligada á vida de seu povo. Mostra maneiras do povo
para resistir à opressão e se afirmar enquanto pertencente a uma nação. O
Brasil vivia em ebulição no início do século 20, refletindo nossa
diversidade cultural e pluralidade de ideias em profusão. Wilson Batista
é um dos representantes dessa fase do samba na então Capital Federal.
Por Marcos Aurélio Ruy*
Muito decantada na MPB, a
malandragem teve reflexos na vida da então capital federa, o Rio de
Janeiro, e o tema esteve presente nos sambas produzidos na época. A
questão era tão forte que chegou a ser proibida por uma portaria
governamental a “exaltação da malandragem” nas músicas de então. Muitos
foram os compositores brasileiros que procuravam formas de resistir à
perseguição que sofriam pelo poder estabelecido. A vida e obra do
compositor Wilson Batista e as dificuldades enfrentadas pelo cantor
Jamelão demonstram essa faceta da vida brasileira.
Neste ano, Wilson Batista de Oliveira completaria 100 anos. Considerado
por Paulinho da Viola como o “maior sambista de todos os tempos”, o
compositor fluminense tem sido um tanto quanto relegado a segundo plano,
talvez pela sua aproximação com notórios malandros da época e trajar-se
como eles, inclusive carregando uma navalha no bolso, que dizem as más
línguas nunca saiu desse bolso. O seu culto à malandragem lhe rendeu fãs
famosos como Madame Satã, que se tornou fã incondicional do compositor
nascido em Campos, interior do Rio de Janeiro, em 3 de julho de 1913.
Sempre trajado de terno azul-marinho ou branco, camisa de seda, sapatos
cara de gato e cachecol branco, para Madame Satã, Wilson Batista “era o
maior compositor do Brasil”.
O Brasil vivia uma efervescência de acontecimentos no início do século
passado. As lutas operárias que transformavam a vida do país; em 1917
foi gravado o primeiro samba, Pelo Telefone. Entrou em cena o Partido
Comunista do Brasil, no mesmo ano da Semana de Arte Moderna: 1922. A
Revolução de 1930, tirou as oligarquias paulista e mineira do centro do
poder; o fortalecimento do rádio como principal órgão de comunicação e o
forte sentimento de identidade nacional que se forjava. Foram fatos que
deram contorno ao samba, marcando os sambistas do Rio de Janeiro. Traço
que se fortalecia nos morros e começava a descer para o asfalto,
urbanizando-se. Wilson Batista é um dos representantes dessa faceta ao
lado de outros grandes como Noel Rosa com quem travou um curioso, e em
certa medida feroz e profícuo, embate musical (ouça em seguida, abaixo).
Os dois jovens compositores transformam a mais famosa disputa musical
doa música popular brasileira em grandes pérolas da MPB. Porque tanto um
quanto outro conseguiu transpor as barreiras do circunstancial e
temporal. As músicas de ambos no embate podem ser ouvidas e cantadas
independentemente da peleja e permanecem atuais porque falam da alma
humana. Tudo começou com
Lenço no Pescoço, de Wilson Batista para a qual Noel respondeu com a canção
Rapaz Folgado,
ainda em 1933, justamente porque entendeu o samba do compositor
fluminense como apologia à malandragem e para Noel essa visão
prejudicava a figura do sambista, já tão malvisto pela sociedade.
Wilson Batista cantava: “Meu chapéu do lado/Tamanco arrastando/Lenço no
pescoço/Navalha no bolso/Eu passo gingando/Provoco e desafio/Eu tenho
orgulho/Em ser tão vadio (...)”. Samba ao qual Noel respondeu que “(...)
Malandro é palavra derrotista/Que só serve pra tirar/Todo o valor do
sambista/Proponho ao povo civilizado/Não te chamar de malandro/E sim de
rapaz folgado”.
Batista retrucou com
Mocinho da Vila: “Você que é mocinho da
Vila/Fala muito em violão, barracão e outros fricotes mais/Se não quiser
perder/Cuide do seu microfone e deixe/Quem é malandro em paz”. Noel não
se fez de rogado, aceitou o desafio e respondeu com
Feitiço da Vila,
em parceria com Vadico, na qual afirmava: “Quem nasce lá na Vila/Nem
sequer vacila/Ao abraçar o samba/Que faz dançar os galhos,/Do arvoredo e
faz a lua,/Nascer mais cedo./Lá, em Vila Isabel,/Quem é bacharel/Não
tem medo de bamba (...)”.
Desse embate fizeram parte músicas antológicas como
Conversa Fiada, de Wilson Batista e
Palpite Infeliz, de Noel. Depois dessa canção de Noel Rosa, Batista apelou e fez
Frankenstein da Vila,
em referência a seu defeito de nascença, no queixo. Noel não respondeu.
Pondo fim a celeuma, Noel resolveu fazer a poesia para a música
Terra de Cego, de Batista e eles rebatizaram a canção com o título de
Deixa de Ser Convencida;
a parceria aproximou os compositores e a polêmica foi encerrada. Até
hoje, porém, quando se fala em Wilson Batista a primeira questão que vem
a mente é essa disputa com Noel Rosa.
A malandragem de Wilson Batista
Contrariando a trajetória que fatalmente o transformaria em
operário, o sambista fluminense voltou-se cedo para a música sob a
batuta do tio Ovídio Batista, maestro da banda Lira de Apolo, da cidade
natal de Wilson Batista, na qual ele iniciou tocando triângulo. Mas ele
marcou sua trajetória na então capital federal, para onde se mudou coma
família ainda garoto e se apaixonou pela boemia do bairro da Lapa, no
Rio de Janeiro. Iniciou carreira ainda muito jovem nos cabarés e bares e
fazendo amizades com muitos músicos e malandros da cidade. A
proximidade com malandros rendeu-lhe algumas prisões e um estilo
inconfundível entre os compositores da época. Antes de definir-se pela
música, chegou a trabalhar como eletricista e ajudante de contrarregra
no Teatro Recreio, na Praça Tiradentes, reduto dos sambistas e boêmios
de então. Compôs o seu primeiro samba em 1929, com apenas 16 anos,
Na Estrada da Vida. Foi cantor e ritmista na Orquestra de Romeu Malagueta e no começo da década de 1930 teve o seu samba,
Desacato (em
parceria com Paulo Vieira e Murilo Caldas) gravado por três grandes
intérpretes da época, Francisco Alves, Castro Barbosa e Murilo Caldas.
Wilson Batista compôs sambas que permanecem na história de nossa música como
Mania da Falecida e
Oh, seu Oscar (ambos em parceria com Ataulfo Alves), o samba de breque em parceria com Geraldo Pereira e gravado por Moreira da Silva,
Acertei no Milhar, com Haroldo Lobo fez
Emília,
Pedreiro Valdemar, com Roberto Martins e
Balzaquiana, de parceria com Nássara. Em 1933, Almirante gravou sua batucada
Barulho (em
parceria com Osvaldo Silva). Acredita-se que sua primeira parceria
tenha sido com outro sambista de respeito Sinhô. com o qual fez o samba
de breque
Mil e Uma Trapalhadas, gravada somente nos anos 1960 por Moreira da Silva.
Com mais de 600 músicas em seu currículo e contratos assinados com as
mais importantes rádios de então, o sambista fluminense teve pouco
reconhecimento em vida, apesar de ter sido gravado por Aracy de Almeida e
Francisco Alves, o principal intérprete da época. Conhecido por tocar
somente a inseparável caixa de fósforos, foi apelidado por Custódio
Mesquita como o “maestro caixa de fósforos”.
Para o pesquisador Moisés Basílio “Wilson na música se assemelhou muito
ao Lima Barreto na literatura no que diz respeito a terem suas obras
marginalizadas.” Wilson Batista morreu em 7 de julho de 1968 aos 55
anos. Ele faz parte do rico acervo da história da MPB e a lembrança de
suas canções nos faz refletir sobre a diversidade cultural popular
brasileira com suas raízes notadamente africanas.
*Marcos Aurélio Ruy é colaborador do
Vermelho
A famosa Polêmica Wilson Batista x Noel Rosa
..
0
comentários